A ONÇA

Corriam boatos que tinham visto uma onça pintada de treze palmos próximo ao sítio de meu cunhado, distante 90 quilômetros a oeste da cidade de São Paulo, onde ele tinha um mangueiro com quase trezentos porcos. A notícia era preocupante porque dois cães filas que eram os guardiões do sitio, diante de um animal desse porte, dariam o aviso ou, preservando suas vidas, ficariam calados? Aconteciam ataques a animais pela vizinhança, na maioria aves, mas também apareciam vez ou outra, cabras e porcos. Nenhum ataque aconteceu no sítio. Será que a onça temia os dois filas? O caseiro estava municiado e armado com uma espingarda não apropriada para um predador desses. Era importante que esse predador fosse logo descoberto e caçado, mas quem se atreveria a procurar uma onça de treze palmos? Essa medida, do focinho ao fim da cauda, é de aproximadamente três metros, tamanho descomunal para uma onça. Será que era mesmo uma onça? (o palmo varia de 22 A 24 cm – vide www.dicio.com.br)

Leitor imagine-se diante de um felino desses, totalmente desarmado e em campo aberto! Se você não correr o bicho come, se correr o bicho pega e...come também. Você, certamente, ficaria borrado e com disenteria pelo resto de sua vida, se vivesse! Quanto a mim, eu não tenho dúvidas, não gostaria de ver mais onças nem em figurinhas, muito menos em documentários pela TV.

Meu sobrinho estava completando dezoito anos nessa época e o Doro, meu cunhado, resolveu fazer um churrasco no sítio num sábado, à tarde, para a festa continuar no domingo, aquele churrasco de mandar matar um boi! Gente e comida não faltavam. Todos estavam convidados a pernoitar ou voltar no domingo. A casa era grande, mas para tanta gente, ficou pequena. Alguns levaram barracas e acamparam, outros dormiram no carro. A festa começou no fim da tarde. Carne e chope havia à vontade. Teve até fandango. O pessoal se divertia à vontade. Por volta de meia noite a alegria foi interrompida. Ouviu-se um esturro. A onça que até então ninguém tinha lembrado, estava presente, pelo menos na imaginação de todos.

- O rugido foi no grotão, disse alguém.

Bem, por enquanto, estava longe do mangueiro.

As mulheres e as crianças foram para dentro de casa e os “valentes”, de “tanque” cheio e cabeça quente, reuniram-se diante de uma fogueira e de olho para o grotão.

Num momento de silêncio, ouviu-se novamente um esturro, só que não era de amedrontar. Um felino de treze palmos não podia ter um esturro agudo, outro fato curioso foi que os animais ficaram calmos e, principalmente, os cães junto de nós nem latiram.

- Que diacho de onça é essa, isso está mais para gato, disse eu.

Aí começaram os “causos”.

- Onça é um bicho esperto demais, imita gato para “chamar” cachorro, disse o Chico.

- Onça até assobia. Imita passarinho para “chamar” cobra.

- Essa já é demais, onça fazendo biquinho? Que onça francesa é essa? Conta outra porque essa não colou, disse eu.

O Chico ficou puto.

- Vocês estão tirando sarro de coisa verdadeira.

- Eu acho que essa onça não passa de uma jaguatirica, disse eu.

- Então vocês acham que não sei, não conheço. Que jaguatirica mataria um cabrito ou um porco? Disse o Chico.

- Há porco de um até duzentos quilos. Também existem cabritinhos e a maioria dos ataques foram para aves. Veja a tranqüilidade dos cães, veja se há agitação no mangueiro. Se fosse um bicho que oferecesse perigo, os animais estavam todos apavorados, eu retruquei.

Enquanto nós discutíamos, os esturros agudos continuavam e foi assim durante muito tempo até que cessou. Lá pelas três horas, o pessoal começou a se recolher, alguns foram para a barraca, outros para os carros e uns privilegiados para a casa. Até esqueci de falar que fazia uma noite muito fria, aquele frio de junho em região alta, muita vegetação e umidade! Gelava até os ossos.

O dia amanheceu com um gramado coberto de cristais de gelo e os carros com uma lâmina de gelo sobre a capota.. Tinha geado.

Na hora em que tomávamos café, minha mãe em tom de gozação, perguntou?

- Viram a onça?

- Até a senhora estava com medo, estava ou não, dona Genoveva?

- Sim, por vocês ficarem no frio.

Todo mundo ria e o assunto da manhã toda foi a onça que “miava”. Por volta das onze horas, quando a gente estava fazendo o fogo para começar novamente o churrasco, uma criança chega correndo e gritando:

- A onça, a onça, eu vi a onça!

- Cadê a espingarda?

- Aqui, toma.

- O forcado?

- Onde você viu?

- Lá em baixo perto do rio.

Os “caçadores” (entre eles eu) foram para o local, com espingarda, revolver. forcado, foice etc. O que servisse para bater, alguém portava. Mas na verdade, acho que ninguém queria ver a onça. Toda “valentia” não passava de fachada. Era para impressionar as mulheres e as crianças. Afinal, que pai não quer parecer herói para seu filho ou para a esposa? Ou para a namorada no caso dos solteiros?

O que vimos? Um gato morto com bastantes ferimentos.

Numa investigação “forense” concluiu-se que um dos filas deu uma bela bocada no gato e o deixou agonizando e sofrendo, pois diz o ditado popular que gato tem sete vidas. Até acabarem todas, levaram muitas horas.

Não se falou mais em onça naquele dia.

Se foram os filas que também mataram os animais da vizinhança, não sabemos, mas há uma grande probabilidade que tenham sido eles, porque estavam calmos naquela noite. Um deles era de cor parda com umas manchas escuras. Teria sido ele a onça que os matutos viram e espalharam o boato? Mas quem mediu os treze palmos permanece em mistério. Eita imaginação fértil!

Estranho foi também o fato de os boatos e as mortes de animais terem acabado.

Eu me lembrei do caso que parece um “causo” trinta e três anos depois, para perpetuá-lo com esta crônica, lembrando que os “causos” do “Chupa-cabras” que ocorreram em quase toda a América Latina, faz apenas uns vinte anos.

Nota: “Causo” escrito em 2007. O acontecimento em 1974.

SANTO BRONZATO
Enviado por SANTO BRONZATO em 11/08/2017
Reeditado em 13/08/2017
Código do texto: T6080836
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