O RAPAZ DO SOPÃO

A moça era bonita. Bonita de doer. Bonita de fazer paisagem em pintura borrar de inveja. Graciosa, com suas sinuosidades levemente agressivas. Com os cabelos amarrados num rabo de cavalo bem feito. Andava fazendo um rebolado de provocar o desabamento de um edifício de concreto armado. Cintura fina, anca larga. Sorriso simpático. A mulher quase perfeita. Delgada, esbelta, maravilhosa. Como deveria ser ela nua? Pra que pensar nisso? Ela assim, vestindo uma calça jeans apertada, uma blusa branca, já era uma graça. Uma estátua perfeita. Nem Michelangelo, nem Matisse, nem Milo Mainara jamais imaginaram pintar uma mulher assim. Envolta num véu de magia e transformação. Uma moça assim é o sonho de consumo, perdão, é a mulher que todo homem quereria ter ao seu lado. Despertar de manhã com ela ao lado. Cheirar de leve o pescocinho dela, enfiar o nariz no meio dos cabelos soltos dela. Que cabelos loiros mais brilhantes. Levantar-se e ficar olhando para a moldura da silhueta dela pelo lençol que a cobre. Ficar observando ela, ainda no torpor do sono da manhãzinha, abrir os braços e esboçar um bocejo que jamais alguém bocejou daquela maneira. Levá-la na sorveteria, na pizzaria, no clube jogar boliche, ir brincar no parque, dar socos de mentirinha na cara daquele bigato e ser advertido pelo monitor. Viver a vida que jamais tinha vivido. Ao lado dela. Vê-la despertar todos os dias. Respirar o mesmo ar que ela. Pisar o mesmo chão que ela. Comer a mesma comida que ela. Beber o mesmo suco que ela. Beijá-la todos os dias com um fervor selvagem. Agarrá-la...

-Carlos Francisco!!! A sopa!!!!

Quase que ele deixa cair a sopa dos pacientes do hospital.

Ele e Adélia eram os encarregados de distribuir a sopa aos pacientes e acompanhantes todos os dias no Hospital das Clínicas.

Conhecido como Carlos do Sopão estava há poucas semanas naquela função.

-Olha o que fez!!

-Tá bom, tá bom. Vou limpar.

Nisso chega um homem acompanhante da esposa que está sendo tratada de uma sinusite e pergunta:

-Você é a moça que está dando sopa?

-Sim. Ela está dando sopa faz tempo e continua encalhada.

Carlos leva um pancada nas costas, de uma colher de pau que ainda fica no ar demonstrando que ele levaria outra “colherada”. Adélia faz uma careta. Carlos do Sopão tenta levar a mãe onde tomou o golpe.

-Ai!!

-Isso é pra você aprender a não fazer gracinha comigo.

-Ai!!! De novo??

-Pra você não esquecer da primeira.

-Aiii!!

-Essa é pra você não esquecer da segunda.

-Aiii!

-Essa é pra você não esquecer da terceira.

Carlos fica nervoso, monta no carrinho de sopa e utilizando um rodinho do pessoal da limpeza, como uma espécie de remo, forçando no chão para impulsionar o carrinho, sai a toda pelos corredores do hospital.

-Carlos!!! Volte aqui com isso!!! Maluco!!!

-Vem me pegar vem!!! Uhuu! Lero, lero, lero!!! Ihuuu!!! Lero lero lero!

Havia uma rampa no final do corredor que dava de fundos com a horta do hospital. Carlos não esperava por aquilo. O carrinho pegou embalo, não tinha como parar. Sem freio foi direto a um portão, que naquele momento estava aberto. O carrinho de sopa saiu rua afora, espalhando “cuias” plásticas pra todo lado. Deixando atrás de si um rastro de sopa de batatinha, macarrão, cenoura e frango.

O carrinho de sopa totalmente descontrolado, derrubou o portão e invadiu uma casa. Foi direto para dentro de uma piscina, onde três garotas tomavam sol naquela manhã de fim de primavera. Ficou boiando juntamente com o que sobrou da sopa.

-Oi! –cumprimentou, Carlos, -Vocês gostam de sopa???!!

Leozão Maçaroca
Enviado por Leozão Maçaroca em 08/08/2017
Código do texto: T6077880
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