DERAM PURGANTE PARA O SANTO
Rego e Thobias eram dois irmãos dos mais invocados da cidade de Utuí. Eram chamados de valentões, conhecidos irmãos encrenqueiros do lugar. Rego e Thobias, onde um estava o outro estava também, inseparáveis. Eles costumavam beber muito, bebida alcoólica, digo. Ingeriam onça engarrafada sem controle, depois ficavam bêbados de cair. Aí onde aprontavam. Até uma vez os dois foram flagrados namorando um pneu de trator que fazia propaganda de uma borracharia. “Agora é minha vez, cê já namorou bastante. Vem cá, belezoca.” E passaram a noite namorando o pneu de trator.
Os irmãos Rego e Thobias tinham um carro, um Fusca cor abóbora com tomate. Quando iam sair ficavam os dois quase meia hora brigando pra ver quem ia sair dirigindo:
-Eu dirijo.
-Não, Tobias, quem guia hoje sou eu. Você guiou ontem.
-De maneira alguma, quem dirige sou eu, Rego.
-Quem falou que é o cê que guia!!! Eu que vou guiando hoje.
-Eu!
-Eu!
-Eu!
-Eu!
Rego segurava Thobias, e tentava entrar no carro. Thobias tomava a frente e ficava na porta. Rego puxava Thobias prum lado, Thobias resistia. Rego numa distração de Thobias, escapou e entrou no carro. Thobias agarrou Rego pelo braço e o arrancou do carro e ele então consegue entrar no carro. Rego dá uma gravata em Thobias e o puxa pra fora do carro e ele agora está dentro do carro. Thobias agarra Rego pelo ombro e o torna a tirar do carro. Thobias dá partida no Fusca e dá uma arrancada, sai pela estrada e Rego vai correndo atrás do carro e gritando. Thobias para. Rego faz que vai pro lado de Thobias pra tentar tirá-lo do carro. Thobias acelera o carro, ameaça tocar. Rego desiste, monta no banco do passageiro e seguem estrada afora, sentido à próxima cidade. Onde pretendem arranjar namorada.
Tinha um baile numa fazenda em Buritizal. Então os irmãos Thobias e Rego, passaram na cidade de Recanto Alegre e encheram a cara num barzinho. Bêbados os dois saíram pra esse baile. Sem falar que antes de sair, quebraram o barzinho todo, porque o dono não quis fazer fiado pra eles. Depois rumaram por uma estrada com o Fusca, estrada essa que supunham ser a direção do baile. Sairam no meio de uma plantação de milho. Andaram um tanto e avistaram um vulto. Era Lua Cheia e naquela hora da noite os raios da lua clareavam quase que nem precisando de qualquer recurso iluminatório. O vulto era de um espantalho na roça. Mas lembrava uma mulher numa descrição minuciosa de uma mulher muito formosa.
-Ela tá de zóio mais eu.
-Ne mim, Thobias, não é no cê não!
-É ne nim, Rego.
-Ne mim.
-Ne mim.
Os dois descem do carro correndo e vão tresloucadamente em direção à “moça”. Rego chega primeiro, depois de dar uma rasteira em Thobias e deixa-lo caído no meio do milharal. Rego agarra a “mulher” e taca um beijo nos lábios carnudos da “boneca cobiçada”. Na verdade a cabeça da “mulher” era uma bola de capotão, bola de futebol grande e velha, toda esgarçada, onde quem fez o espantalho, pintou o lugar da boca, onde um gomo da bola de capotão estava mais estufado, pintou o lugar da boca com batom bem vermelho. Thobias então, nessa altura dos acontecimentos, consegue levantar-se, alcança onde está Rego e a suposta namorada, beijando-se, agarra a cabeça da “mulher” e logicamente a bola de capotão fixada frouxamente na camisa de manga comprida, cheia de palha, se solta facilmente e Thobias sai correndo pro milharal com a cabeça da namorada de Rego.
-Devolve a cabeça da minha namorada, seu imbecil.
-Vem pegar, vem!!! Bobão!!
Ficaram até alta madrugada Rego correndo atrás de Thobias no meio desse milharal. Até que Thobias acabou perdendo a cabeça. Perdendo a cabeça da donzela de palha.
-A Carolina perdeu a cabeça por você, Rego.
-Não converso mais com você, Thobias.
Montaram no Fusca e passando pela cidade na volta, ainda ressentindo-se de bêbados, os dois irmãos procuraram um bar, e procuraram até encontrar um aberto. Na verdade era uma farmácia.
Os dois, mostrando ar de valentões entraram:
-Ô moça!!
-Ô moça!!
-Ô moça!!
-Será que a beldade é surda??
-O que querem?
-Nóis qué pinga!!
-Mas aqui é uma farmácia.
-Nóis qué pinga.
-Já falei, aqui é uma farmácia.
-Nóis qué pinga.
A moça pensou um pouco e resolveu:
-Então tá, esperem um pouco.
A moça foi até o fundo da farmácia pegou um vidro de purgante, colocou em dois copos e serviu aos irmãos.
-Essa é pro santo. –Thobias despejou um pouco do copo no chão da farmácia.
Tomaram cada um o seu copo. Rego pegou uma nota de cinco e pôs em cima do balcão.
-Esses são pelos seus olhos, boneca.
Foram embora. Montaram no carro e partiram em direção à casa.
Nem meia hora e pela estrada, já amanhecendo quase, o Fusca parado na beira da estrada com as duas portas abertas e Rego e Thobias no meio do mato.
-Que é isso, Rego!??
-Dor de barriga das braba.
-Que será que foi, Rego?
-Acho que aquela pinga tava estragada.
-Será?
-Ah, tava.
-Pinga estragada? Será que pinga estraga?
-Ah, estraga sim.
-Ixi!! Nossa!!!
-O que?
-Agora que lembrei, e a pinga que nóis deu pro santo??
-O santo deve de tá aperreado tomem!!