UM TRIÂNGULO AMOROSO DE LATICÍNIO

Terrível. Obstinado. Sanguinário. Justiceiro. Audaz. Corajoso. Destemido. Sagaz. Bruto. Intrépido. Impetuoso.

-É o que tá escrito nesse laxante, ô xente.

Nabuco cangaceiro. Terror do cangaço. Fazia coronéis se borrar todo. A mocinhas se borravam. As senhoras se borravam. Os papagaios se borravam. Os ferreiros se borravam. Os cavalos se borravam. As autoridades se borravam. Os bois e vacas se borravam. Os cabritos se borravam...

-Alguém mais pra se borrar aí!?

-Fecha essa matraca, Sebo Seco.

Com o chapelão mexicano na cabeça, Nabuco comandava o seu grupo de cangaceiros.

-O Pestana Grossa, tu é esquisito.

-Eu sou iraquiano, meu bixin.

-Iraquiano?!

Com sua terrível feição de cangaceiro mal, Nabuco Omelete, que não deixa o ovo assar, leva o cigarro na boca, não viu e pôs a parte acesa na boca.

-Uuuuuu! Quem foi o cabra da peste que me vendeu um cigarro do lado errado!??...... Mas, olhe aqui, o que estaria um iraquiano fazendo aqui no meio da cagaço?

-Eu quero ser mau. Meu nome é Obadam Muxololo.

-Hummmm! –fez Nabuco torcendo a boca suja de terra, porque há pouco pisou na tira da alpargata com a fivela solta e levou um tombaço de boca no chão. –O que você já fez de mau?

-Tirei sangue de uma velhinha.

-Jesus!

-A velhinha ia levando sangue num balde pra fazer churiço, passei correndo a cavalo e tirei o sangue dela.

-E deixou a velhinha sem churiço!?

-Deixei sim.

-Você é mau mesmo.

Nabuco Omelete, cangaceiro do cagaço, caminhava ao redor dos homens à sua frente avaliando um por um. Ele levava pendurada no cinturão da calça uma pistola cano longo calibre 42, uma espingarda 32, um bacamarte calibre 28, uma garrucha 22, um mosquete, uma winchester 32, uma batedeira de bolo, um liquidificador, um ventilador, uma frigideira, duas bacias, um espremedor de frutas, um abridor de latas e uma escova de dentes. Nabuco parou bem no meio daquele pelotão de homens para recrutamento para o seu grupo e perguntou:

-Alguém aqui já matou padre?

Houve um murmúrio de vozes interrogativas e admiradas ao mesmo tempo, passados uns segundos, uma voz no meio daqueles homens respondeu:

-Eu.

Nabuco procurava:

-Eu quem?

-Eu.

Surgiu do meio do grupo de homens um anão, com duas cartucheiras cruzadas no peito, barba por fazer, um chapéu preto tombado na testa, olhar de mal, e dois colts presos em seu cinturão.

-Humm! Já matou um padre?

-Sim.

-Foi com requinte de crueldade?

-Foi.

-Conta então.

-Lá no convento nóis...

-Você morava num convento?

-Sim, quando nasci, minha mãe morreu no parto e meu pai também.

-Tá, sei...Continua a história.

-Nóis trabalhava no convento, eu e o padre...

-Se desentenderam? Você pegou um facão, ou uma foice, e...?

-Não. Eu e o padre dividíamos uma vaca...

-Padim Pade Ciço. Triângulo amoroso. Envolvia paixão, romance, dinheiro?

-Só leite...

-Ahnnnn?!! –espantou-se Nabuco. –Já sei. A vaca trabalhava na mesma leiteria em que você e o padre compravam leite?..

-Não. Foi no curral...

-Por minha mãe, Dona Consolação, que deve tá só os ossinhos debaixo da terra!! O negócio é pior do que eu pensava. Crime no Curral?? Dá um bom nome de longa metrage...

-Eu ainda segurei no rabo da vaca.

-Credo em cruis!! Te esconjuro coisa mandada.

-Não teve jeito... O balde...

-Nossa, que detalhes sórdidos. Pela minha santa tia Chica, que morreu solteirona.

-Aconteceu assim: eu e o padre ordenhávamos a mesma vaca todo dia. Eu de um lado e o padre de outro. Mas naquele dia uma mutuca pousou no couro da vaca, ela foi dar uma pernada para espantar a mutuca quando desiquilibrou e acabou caindo em cima do padre.

Nabuco Omelete, o pior cangaceiro da região, olhou com sua cara marrada pro anão:

-Agora um último teste. Monte no cavalo e siga-nos.

-Ahhh, aí tá de sacanagem, né!

Leozão Maçaroca
Enviado por Leozão Maçaroca em 21/03/2017
Código do texto: T5947579
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