Adubo ou tempero?
 
     Tudo começou com uma dor de dente, dor profunda, latejante e constante. Daquelas que faz o sujeito juntar uma mão ao rosto próxima à orelha, a pessoa tomba o rosto para o encontro do ombro, leva a outra mão à cabeça, num intuito de alisar os cabelos.

     A dor fica maior e mais tensa quando Terêncio abre a boca, seja o tanto que for, abriu! Doeu. O gemido sai quase imperceptível, direcionando o som do gemido para dentro pra manter a boca fechada.
     Foi devido a essa contristação que Terêncio pensou na morte, a certeza da morte, ela há de chegar a qualquer dia, esse pensamento não alimentava a dor. Elucubrar no pós morte lhe trouxe uma certa desordem filosófica!

     O dilema lhe aferroava o cérebro, enquanto aquela dor de dente penetrante lhe mantinha vivinho, a dubiedade era, ser enterrado deitado, em pé ou ser cremado?      Muita calma nesta hora, Terêncio se esparramou à sombra de uma bananeira, com o lado do dente que doía apoiado com a mão direita, aconchegou o rosto no solo, onde uma folha de bananeira lhe servia de travesseiro.

     Muito, muito, muito tempo atrás, os enterros eram assim, assim, assim depois mudou, e algum tempo mais distante do segundo muito, inovou se também, na terceira mudança já não havia a lembrança do primeiro funeral dos primórdios, o tempo não passa, as datas sim, e muitas delas são esquecidas.

     Enterrar o corpo deitado ou em pé é apenas uma questão de referência, pensava o moço com dor de dente, essa conclusão ele chegou quando assistiu Guerra nas Estrelas; a posição dos planetas é relativo em relação ao ponto do universo em que está o observador.

     Cremar, cremar! Reduz o corpo a um punhado de cinzas, não contamina o solo, não ocupa grandes extensões de terras, traz economias financeiras para a família do falecido, afinal cuidar de túmulo tem seu lado melancólico, túmulo não nos traz boas lembranças, mas as ações do falecido sim, essas nunca a esquecemos.      Terêncio nem pestanejou, até porque não podia, a dor, ah aquela dor, seremos cremados. Num momento de puro frisson e espasmo muscular decidiu para a humanidade. Todos seremos cremados e fim-de-papo, eu mando, eu defino e todos me obedecem.

     Mas a mente tem suas ardilezas, de mente para a consciência, a mente pergunta à consciência Terêncio? O que fazer com as cinzas, afinal ao cremar um milhão de corpos, teremos quinhentas toneladas de cinza.

     Putys! É cinza pra xuxu, pensou nosso amigo aqui leitor amigo. Sabendo que a cinza é só dos ossos e, ossos são a base de cálcio, logo Terêncio pensou, será preciso aproveitar em algo que seja bom para a humanidade.

     O detentor da dor de dente não percebeu, as sombras se foram, com elas o sol e um manto de bolinhas cintilantes cobriu o pé da bananeira. A dor piorou, uma agulhada fez uma aguinha sair do canto de um dos olhos, estava tão fechado que a aguinha mal podia sair, o outro permanecia esbugalhado como uma pipoca no azeite quente. O choro naquele momento aliviaria a dor da alma, mas castigaria o corpo, melhor não chorar, pensou a criatura debaixo do manto cintilante.

    
A dor lhe castigava tanto que não hesitou na escolha; tempero, pondo se de pé a gritar com as mãos elevadas aos céus, tempero para trazer felicidade para todos. Arrancou o dente, um canino todo cariadim, com a ajuda de uma faca de mesa pontiaguda, macetou o todo, até virar pó, regou com sal, pimenta do reino, pimenta malagueta alho, cebola, azeite e coentro. Temperou um bife e a salada de tomate com alface e cenoura.
.
     Com os olhos rútilos, lábios trêmulos com sangue a gotejar pelo canto da boca pensou, comer ou não comer...
Eder Rizotto
Enviado por Eder Rizotto em 06/02/2017
Reeditado em 07/02/2017
Código do texto: T5904438
Classificação de conteúdo: seguro