O rapaz encrenqueiro
O Cláudio, quando jovem, já era um homem muito respeitado em sua região. Ele era um tipo fisicamente forte e grande, não bebia e não jogava. Era considerado justo, inteligente e sensato. Diante de algum conflito, ele era chamado para ser o mediador e ajudar na solução. Trabalhava muito em sua pequena propriedade rural, mas gostava de participar das festas que aconteciam na vizinhança. Os vizinhos eram, em sua maioria, parentes entre si e parentes de sua esposa.
Aniversários, noivados, casamentos, final de colheita, limpeza de um rego d’água, milho em ponto de pamonha, etc. tudo podia ser motivo para que se inventasse um baile. E a notícia corria, num raio de 5 a 10km.
E o povo ia chegando de bicicleta, a cavalo, de trator e reboque, caminhão, carro de boi e até de automóvel, que era uma coisa muito rara.
E era o costume, a tradição, que o convidado ao chegar, cumprimentasse os donos da casa e antes de botar os pé para dentro do caramanchão ou do salão onde se dançava, já entregasse o revólver e a guaiaca para o anfitrião guardar em lugar seguro. Todos faziam isso sem o menor questionamento. Não era nem preciso pedir. Todos andavam armados, naquela época, mas era proibido entrar em salão de baile, portando uma arma, que era para evitar que alguém ao ser contrariado, ou levasse um carão (como se dizia, quando a moça recusava o convite para dançar), exibisse valentia.
Mas, eis que um primo, desses encrenqueiros, já chegou meio chumbado, falando meio mole, dizendo que não ia entregar o precioso niquelado pra ninguém. O anfitrião insistiu, mas ele retrucou. Nisso já veio a turma do “Deixa de Enguiço”. No entanto, ninguém o convencia.
Aí alguém disse meio baixo:
- Vamos chamar o Cláudio...
Enquanto foram buscar o Cláudio, o Zé Felipe tratou de fugir cambaleante pelos fundos do pomar. Esqueceu-se até de que havia deixado seu cavalo perto do galpão da frente da casa.
Quando o Cláudio chegou, o Zé Felipe já estava atravessando a cerca de arame farpado, mas a cerca nova, muito esticadinha, fez com que os seus grampos prendessem a sua camisa, e ele não conseguia sair dali. O coitado estava tão “prá lá de Bagdá” que não se deu conta do verdadeiro motivo e gritava sem parar:
- Me larga, Cláudio! Me larga, eu já tô indo embora. Me larga!
O Cláudio, que era muito sarrista, gritou lá de longe:
- Tá bom, pode ir, mas venha pegar o seu cavalo.
Não deu outra: o Zé Felipe virou motivo de risos por anos a fio.
Anos se passaram e ninguém se esquecia do episódio. De vez em quando, a história era lembrada nas festas que continuaram acontecendo.
O Zé Felipe, que continuava bebendo feito um gambá, fingia que aquilo tudo não era com ele.