VÉSPERA DE NATAL

Véspera de Natal.

-Eu tive uma mulher que marcou a minha vida. -disse Brandão.

-Ug.

-Sim. Terça. O nome dela era Terça.

-Ug.

-Terça, não de terça-feira.

-Ug.

-Acho que foi o único amor sincero da minha vida.

-Ug.

-Estou contando isso só pra você porque confio em você. Você é o meu melhor amigo.

-Ug.

-Você deve estar se perguntando o que aconteceu com ela?

-Ug.

-Pois eu vou contar. Ela desapareceu.

-Ug.

-Por que está me olhando com essa cara?

-Ug.

-Sei, você deve estar espantado como eu também fiquei. De repente, não mais que de repente ela disse que ia embora e foi. Foi para sempre.

-Ug.

-Uma noite em que estávamos juntos eu contei tudo a ela sobre a minha vida. Contei até alguns segredos que até então nunca tinha contado para ninguém. Ela me deixou.

-Ug.

-Não sei onde errei.

-Ug.

-Mas mesmo que pensamos que não erramos, sempre erramos em alguma parte.

-Ug.

-Sempre erramos. Sei lá, eu podia ter feito alguma coisa pra evitar de ela ter ido embora. Eu podia ter evitado. Eu podia, mas ela foi.

-Ug.

-Ela foi. Sim, ela foi. Mas essa é a vida, Éric.

-Ug.

-Você não sabe o que é o amor, não é, Éric?

-Ug.

-O amor é uma coisa que machuca, cara. Machuca muito, principalmente quando a gente poderia ter feito algo e não fez. Entende?

-Ug.

-A gente sofre, mas não há mais nada o que fazer. Porque deveríamos ter feito e não fizemos. Estou sendo repetitivo, não?

-Ug. Ug.

-Desculpe, eu não deveria envolvê-lo em mais preocupações.

-Ug.

-Chegamos até a morar juntos. Levei o meu violão, a minha canoa, o meu papagaio. O meu papagaio até falava: "Terça, eu te amo. Terça, eu te amo." Mas, sei lá, faltou alguma coisa. Brigamos. Fui para a casa de mamãe. Trouxe o meu violão de volta. Ela não queria mais ouvir as minhas canções.

-Ug.

-Trouxe a minha canoa. Os vizinhos até perguntaram o que havia acontecido. Acabou. Simplesmente tinha acabado.

-Ug.

-Faltou alguma coisa. Sei lá.

-Ug.

-Éric, agora você sabe demais.

-Ug.

-Vou ter de tirar a sua vida.

O peru olhou assustado para Brandão.

-Não é justo, te contei coisa que não podia contar.

-Ug.

-Diga adeus, Éric.

-Ug.

Brandão ergueu o machado decidido. Fechou os olhos....

Ele estaria assado em cima da mesa, como previu Brandão, finalmente.

-Filho, cadê o seu pai? -perguntou a esposa de Brandão.

-Ah, foi matar o peru, não é?

-Faz mais de duas horas! Será que...? Ano passado, você lembra, né Brandãozinho?

-Acho que não, mãe.

-Vamos ver.

Foram até o cercado no fundo do quintal. Não encontraram Brandão nem Éric. O cercado estava aberto.

Anoiteceu. Nem sinal de Brandão e Éric. E as horas passavam. As horas passavam. Até que duas horas e pouco da madrugada, chegaram os dois de carro. Passaram por todos os bares da cidade. Chegaram os dois bêbados, no carro de Brandão. O peru Éric do lado do passageiro, com uma asa sobre a janelinha.

-Era de se esperar. -disse a esposa de Brandão.

Leozão Maçaroca
Enviado por Leozão Maçaroca em 22/12/2016
Código do texto: T5860258
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