TEXTO HUMORÍSTICO - PRECISO DE OPINIÕES (EM PROCESSO DE CRIAÇÃO)

- Pelas águas do Rio Jordão! Eis que ele vem! - Grita Luênia com notável exultação ao avistar no letreiro de um dos ônibus que adentravam o terminal as duas pequenas palavras mais desejadas para aquele momento: PARANGABA e, logo em seguida, MUCURIPE. Pela animação da amiga, Dommenike considerou a possibilidade de ela ter visto o próprio Cristo descendo por entre as nuvens.

Acontece que, em Fortaleza, após exaustivos minutos de espera nas paradas de ônibus ou nos terminais de integração, a sensação de ver sua “carruagem motorizada” cruzando a linha do horizonte em nada se difere daquela quando você recebe uma mensagem do(a) crush. Dommenike, porém, sabia que o anúncio da aproximação do coletivo faria com que uma desordem se instalasse naquela fileira de pessoas.

- Luênia, acho que você não deveria ter grita...

Antes que pudesse terminar, ela se vê sendo empurrada para a frente com veemência, a partir de suas costas, por uma mão grande e pesada. À medida que caía, contemplava tudo em câmera lenta: Luênia dançando em comemoração à chegada do ônibus, uma velhinha à sua frente saboreando um delicioso sorvete de cajarana e quase todos em seu campo de visão arregalando os olhos, assustados, ao perceberem a situação que se desenrolava.

Boom! Poucos centímetros evitaram o esbarro entre a cadente e Luênia (ela estava tão distraída que não percebera o tombo vivenciado pela colega), que, agora, rodopiava em torno do mesmo eixo e batia palmas ritmicamente ao som de Alcione, cuja canção provinha de uma caixa de som instalada em uma das colunas de concreto que davam suporte ao teto da plataforma. “Tenho de ser esperta!”, pensou Dommenike. “Preciso disfarçar.”

- Repare, Luênia. - Inicia ela, berrando, ao se levantar. - Bem que lhe avisei que a gravidade ainda está atuando nesta cidade.

Foi inútil. Toda a multidão passou a rir descontroladamente. Durante alguns segundos, dezenas de risadas distintas governaram sobre o som habitual do Terminal da Parangaba. Dona Mazé, a anciã mencionada agora há pouco, batalhava silenciosamente na ânsia de respirar. Entenda: quatro anos antes ela havia sido diagnosticada com uma condição raríssima no cérebro denominada Distúrbio da Modificação de Ações¹ (DMA). De acordo com a literatura médica², indivíduos que carregam esse fardo recebem, mediante emoções muito fortes (como sustos ou eventos demasiadamente engraçados, por exemplo), estímulos que originam alterações súbitas em determinadas tarefas. Aquela queda tornou-se um estopim, a responsável pela concretização, naquele ambiente, do DMA em Mazé, que tentou engolir, ao invés do sorvete, a colher.

Dommenike ergueu-se através uma sequência de movimentos rápidos. Seu rosto estava quase tão vermelho como sangue. A sensação causada por tamanha vergonha em público fez com que seus músculos faciais paralisassem em um sorriso visivelmente falso, improvisado. Tinha a impressão de que seu espírito tentava desaparecer em alguma região esquecida dentro dela. Passados alguns segundos desde que se pusera de pé, as gargalhadas iam sendo contidas aos poucos, transformando-se em sussurros acompanhados por risos discretos. Sua aparência constrangida, então, passa a dar espaço a um semblante raivoso. Pupilas contraídas, queixo trêmulo e punhos cerrados: a garota estava disposta a plantar a semente do arrependimento no coração do autor daquele vexame. Então, lentamente, vira para trás. Satisfações devem ser tiradas, pensava.

- Você?! - Pergunta ela, surpresa.

Um Chapeleiro Sem Chapéu
Enviado por Um Chapeleiro Sem Chapéu em 11/12/2016
Reeditado em 11/12/2016
Código do texto: T5850353
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