O PAI TENTA SABOTAR O CARRINHO DE CONTROLE REMOTO
Pela noite quando Hélio chegou para o jantar Armando estava consertando o carrinho de controle remoto do filho.
O carrinho tinha uma particularidade, havia uma mini-câmera sobre o seu capô, conectada a um computador. Quando a mãe recebia visitas, principalmente suas amigas com suas filhas de saias doidas, Juninho com o controle na mão, fazia o carrinho passar bem embaixo delas, para ver suas calcinhas. Até que uma vez teve uma garota que o chutou para longe, talvez não gostando daquela presença, no mínimo suspeita. Foi daquele dia em diante que o carrinho só vivia dando defeitos.
-Pai, será que dessa vez ele anda?
-Calma, filho. O homem tem as três principais qualidades de um empreendedor: audácia, ousadia e auto-segurança. E eu, filho, tenho uma a mais: o ímpeto.
Armando mostrando habilidade, já que percebeu a chegada do vizinho, observava o carrinho. Não queria demonstrar sua inapetência.
-Estou quase chegando ao problema.
Hélio cumprimentou Armando, que retribuiu, evitando de olhar direto nos olhos do recém-chegado.
-Pronto!
O filho todo contente ligou o carrinho, acionou os mecanismos do controle remoto, o carrinho começou a andar. Foi em direção à um pé da mesa da copa. Acionou os controles para o carrinho desviar do obstáculo, o carrinho não obedeceu o comando, chocou-se contra o pé da mesa, e tombou.
-Pai, olha o que aconteceu!
-Põe ele em pé.
Armando foi até o carrinho e o colocou de pé novamente. Deu o sinal para o filho tocar o carrinho de novo.
O carrinho foi rodando, de repente parou. O filho acionava os controles mas o carrinho não obedecia. Ficava um ruído esquisito saindo do carro.
-Me dá isso aí!
Armando ficou impaciente. Pegou o controle remoto das mãos do filho, aliás quase arrancou.
-Vamos lá! -fez uma careta, rosnou até, trincou os dentes, -Vamos lá! Não estou brincando. Vamos, carrinho.
Mexia nos controles, apertava botões, desapertava, tornava apertar.
-Pai!
-Filho, agora estou no comando. Fique tranquilo.
-Pai...
-Filho! Afinal quem é o pai aqui?
-É disso que eu tenho medo. Quando você banca o pai.
-Que é isso, filho! Eu sou o seu pai.
Mexia nos botões que nem um doido.
-Pai.
-Filho, não se preocupe.
De repente começou sair fumaça do carrinho.
-Pai. O carrinho tá pegando fogo!
-Gente, o que está pegando fogo? -Alice veio correndo, apavorada da cozinha. -Armando, o que é isso?
Alguém na rua ouviu gritando "FOGO! FOGO" e também saiu gritando "FOGO!FOGO!".
Armando de posse de uma almofada tentava conter o avanço da fumaça. O filho veio correndo do banheiro trazendo um balde d'água. Tão apavorado, em vez de jogar água em cima do carro, jogou em cima de Armando.
-FOGO! -foi o que alguém gritou. Em pouco menos de meia hora havia carros de bombeiros tomando toda a rua. Um multidão ruidosa na curiosidade de ver o que estaria se passando.
-Tudo bem! Tudo bem! O fogo está controlado. -dizia Armando, todo ofegante.
-Tem certeza? -perguntou o oficial da corporação.
-Absoluta!
O tenente tentava olhar por cima do ombro de Armando para certificar-se de que era verdade mesmo.
-Fique tranquilo, senhor, foi só um susto.
-Então está bem. -o oficial relutava em acreditar, mas pelo que colheu dos semblantes do vizinho Hélio e da dona da casa, a dona Alice, ficou convencido. -Mas olhe lá, hem. Quero voltar com a cabeça sossegada...
-Estou dizendo que pode ficar tranquilo.
Mais tarde, depois de passado o susto, Hélio pede para Armando:
-Posso dar uma olhada no carrinho?
-Ah, claro! -por dentro Armando raciocinava: "O que que esse camarada pode entender de carrinhos?! Vai dar com os burros n'água."
Para espanto e pasmo de pai e filho, nem quinze minutos depois o carrinho rodava pela sala ao sabor dos suaves movimentos que o vizinho imprimia ao controle remoto.
-Ele vai pifar daqui a pouco, quer ver!
E o vizinho manipulava os controles, e o carrinho ia pra lá, vinha pra cá. Não se sabe se era para tirar uma com Armando, mas de vez em quando, o vizinho fazia o carrinho passar em cima do dedão do pé de Armando.
-Dou dois minutos para este carrinho pifar. Ele sempre pifa.
Duas horas depois e o carrinho continuava o mesmo. Parecia até mágica.
O filho olhava para o pai, os dois trocando olhares cúmplices.
-Pai, saiba que quando eu crescer não quero ser mais como você.
-Que é isso, filho!
Naquela mesma noite o filho pegaria o pai em flagrante tentando sabotar o carrinho.
-O que está fazendo, pai?
-Ah, nada... Eu... Deu vontade de brincar com o carrinho.
Só se sabe que Armando teve de sair de mansinho vendo que o seu plano tinha ido por água abaixo.
-O jantar está na mesa. -chamou Alice, que veio até a porta.
Todos estavam na mesa. Hélio media o que tinha sobre a mesa, Armando olhava para Alice. Que disse:
-Podem se servir!
Armando avançou, pegou uma coxa de frango, mordeu entre os dentes, com uma mão puxou a tigela de kibe, com a outra mão trouxe a bandeja com o peru assado para mais perto de si.
-Armando! Isso são modos! Solta isso!
-Aqui é assim! Nosso jantar é como uma caçada.
-Pare com isso, Armando. Ah, senhor Hélio, pode se servir de um pouco de nhoque.
-Só se me vencer num duelo.
-Armando, quer parar com essas gracinhas.
Armando pegou um garfo. -Você terá o nhoque só se meu sangue for derramado.