O FUSCA

Aquele carrinho era algo de especial para aquele moço.

Falava dele como se fosse um amigo muito chegado. Há tempos não o tinha mais...! Tadinho!

Quando perguntamos sua cor e o ano de fabricação, para que a gente tivesse uma idéia de como era o tal carrinho, ele passou a descrevê-lo:

- Ah! Sim, é verdade, era um fusca ano 75 e a cor era abóbora. Meu carrinho era um doce! Talvez por isso tinha até formiga dentro dele!... Depois ele ficou amarelo, desbotou, amarelou. Deve ter sido de medo, eu corria muito com ele. Às vezes, corria dele. Não agüentava seu temperamento.

- Temperamento? Como assim?

- É, temperamental. Às vezes ele resolvia não andar, acho que era de cansaço. Mas era jóia, tinha até ar condicionado!

- Tinha ar condicionado? Um fusca ?!

- É, era uma beleza. A gente viajava nele fresquinho, fresquinho!

- Ar condicionado?! perguntamos admirados.

- Sim, era um buraco no painel que fazia o ar circular, gente. Me deixe continuar...O sistema de vidro era elétrico. Não fui eu quem mandou colocar, não, mas que era elétrico, era. Por isso, quando a gente encostava o braço levava um baita choque!..O mais importante era o câmbio - automático.

- Conta outra, meu, um carrinho velho com câmbio automático ?!

- Era, sim. Estão duvidando? Eu nem precisava mexer nele. Era só o carro passar num buraco que o câmbio engatava outra marcha. Só que às vezes era uma reduzida! Aí dava um tranco!!!

Nessa altura dos acontecimentos, a gente já não se agüentava mais de tanto rir. O moço falava tão sério, que a cada frase que começava, a gente ficava na dúvida se ele ia falar alguma coisa séria ou ia contar mais uma balela. E assim continuou:

- O volante do meu carrinho era bom mesmo, não tinha nem uma folga.

- Pelo menos isso!

- É, não tinha folga, tinha era férias!

A gargalhada foi geral...

- Às vezes eu ficava um tempão esperando ele pegar; de repente, pensava que afinal ele ia, mas, não: ele vinha.

- Vinha, como?

- Vinha com aquelas engasgadas, tossia e parava. Não tinha jeito, não. Quando morria, eu apelava para algum santo, o santo ressuscitava ele e afinal saía. Só com reza brava ele andava. Esqueci de contar que ele tinha teto solar. Minha garota gostava de olhar o céu por ele.

- Espera aí, teto solar?!

- É, uai. Era um buraquinho no teto.

- E quando chovia?

- Eu abria o guarda-chuva, enfiava pelo lado de fora pelo buraco e pronto.

- Não seria mais fácil tapar o buraco?

- De jeito nenhum. Ninguém tinha um fusca de guarda-chuva! Só eu. Depois, como é que a minha namorada ia ver estrela verdadeira?

- Porque, tem alguma estrela que não é verdadeira?

- Tem, uai. Quando o carrinho passava num buraco ela batia a cabeça no teto e “via estrela” de tanta dor!

- E o que foi feito dele?

- Morreu...E foi enterrado!

- Como assim?

- Foi num dia de tempestade. Deixei ele do lado do meu barraco. O barranco desmoronou e enterrou o fusquinha. Eu e a família conseguimos sair a tempo de casa, mas ele, não. Quando os bombeiros desenterraram ele, estava todo amassado e cheio de lama. Não aproveitei quase nada dele. (snif).

- Não chora, não. Esse seu carrinho era mesmo especial, não?

- Carrinho, não, moço. Era um automóvel mesmo, com H maiúsculo!

- Agá?!

- Deixa quieto, turma...

Ficou na história o carrinho daquele moço.

Rachel dos Santos Dias
Enviado por Rachel dos Santos Dias em 27/07/2007
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