O LADRÃO DE PUM
Século XVIII, para localizar a passagem. Numa pequena cidade da França, Chuchex, onde se produzia muito chuchu. Silvius havia acabado de descobrir a densidade dos gases; o pum finalmente fora descoberto e passou a ter importância. Nesse instante Sir Molemon estava lubrificando a roda de uma carroça em seu estabelecimento comercial. “LUBRIFICAM-SE RODAS DE CARROÇA”, dizia uma grande tabuleta na entrada do comércio.
Entra ali de repente, naquele ambiente cheirando a graxa e cavalo, uma senhorita com olhos espantados. Entrou farfalhando o seu vestido arrastando pelo chão. Chamou atenção de Sir Molemon. Que mais que subitamente pegou um pente e ajeitou o seu cabelo. Vez por outra ele catava o pente do bolso e penteava o cabelo. A moça agarrou-se em Sir Molemon. Ele deixou até o pente cair. Ficou assustado. Naquele primeiro ímpeto não disse nada. Mas ia abrindo a boca para dizer, quando a moça fala primeiro:
-Você precisa me salvar.
Os olhos dela brilhavam muito, olhos bem redondos e de uma característica bem peculiar.
-Você está precisando lubrificar a roda?!! –perguntou ele.
-Sim!!!
-Não podemos deixar a roda esperando.
-Tem um homem mau me perseguindo.- ela revelou.
-Ele também precisa lubrificar a roda???
-Não seiiiiii!! –e ela se pôs a chorar. –Não seiiiii! Aaaaaaahannnn!!!Aaaaaannnnhannnnn! O que vou fazer da minha vida?!!!!
No esforço da moça, Sir Molemon percebeu que ela soltou um pum. Claro que ele, muito elegantemente fingiu nem ter escutado. E a moça continuava chorando e implorando para ele salvá-la do terrível homem mau que a estava perseguindo, e a qualquer momento iria agarrá-la. Sir Molemon espiou a rua, verificou, nada foi encontrado de homem mau.
-Aaaaaaaahannnnn!!! –a moça caiu num choro berrado novamente, -O que vai ser de mim?
-Se for lubrificar a roda, não precisa ficar aflita assim.
-O homem mau está atrás de mim. Aaaaaahannnn!!! Me salve!!
-Tenho duas rodas pra lubrificar. Se puder esperar...
-Aaaaaaaahannnnn!!! O que vai ser de mim!!!
Sir Molemon ficou indeciso no que fazer. Perguntou a moça:
-Mas como é esse homem mau?
-É um homem mau, puxa vida!
-Mas ele é alto? É baixo? É gordo? É magro? Tem barba? Não tem barba? Tem pé grande? Tem pé pequeno?
-Só sei que ele é um homem mau. Aaaaaaahannnn!!
A moça nesse esforço acabou deixando escapar outro pum. Sir Molemon dessa vez teve de disfarçar como um legítimo gentleman. Foi onde teve uma idéia. Desvencilhou-se dela e correu até o fundo do seu estabelecimento e veio trazendo um grande funil, e uma bixiga de borracha, dessas de festa de aniversário.
-Vou precisar de você. –disse ele.
-Vai lubrificar a roda?
-A senhorita tem carroça?
-E precisa ter carroça pra lubrificar a roda?
-Geralmente sim.
-O que vai fazer com esse funil?
-Você vai ser muito útil pra mim... E pra ciência.
-Eu?
-Sim.
Sir Molemon apontou em direção a um quarto nos fundos. Entregou o funil e a bexiga a ela.
-Vou precisar do seu vento. –disse ele.
-O queee?
-Não precisamente o seu vento, mas a sua fermentação.
-Ahnnnn?
-Você vai posicionar a sua nádega aqui nessa parte larga do funil, quando vier o pum, mira no funil e vai direto pra bexiga, que prontamente estará conectada na outra extremidade do funil. Meu amigo Boyle está muito perto de descobrir a verdadeira fórmula do enxofre.
-Fórmula do enxofre!!!??
-Sim.
-Idiota!!! Não vou ventar pra qualquer um não. Não vou ceder meu vento assim de mão beijada pra ninguém.
-Moça!!!
-Tchau.
-Ei, não pode fazer isso.
Mas já tarde, pois a moça já sumia correndo pela rua de chão batido da pequena cidade francesa.
Sir Molemon ficou parado diante da sua oficina de lubrificar rodas de carroça, segurando o funil e a bexiga, praticamente desanimado. Olhava para o final da rua, onde há minutos atrás passou a moça, de nome Veruska, e desapareceu.
Veruska imaginava que toda aquela embarafustada de coletar o vento dela tinha sido esquecida. Engano da moça. Sir Molemon, com uma obsessão doentia em aprisionar o pum da moça, começou a persegui-la pela cidade. Com o funil e a bexiga se pôs a seguir a moça. Na proximidade de uma loja. Indo para a farmácia. No açougue. No salão de beleza. No parque de diversões. Na praça central. No jardim municipal. No cartório. Próxima de uma bodega. No velório. No cemitério. No bosque público.
-Polícia!!!! – gritou a moça.
A viatura, que seria uma charrete puxada por um alazão para ao lado dela. Os policiais perguntaram a razão de a moça estar desesperada e ter gritado.
-Aquele patife quer o meu pum.
Houve uma certa troca de olhares espantados entre as autoridades policiais.
-Como que é? –retrucou um dos policiais.
-Aquele sujeito lá quer o meu pum. E já falei que meu pum ele não tem.
-A senhorita tem certeza disso? –tornou a perguntar o policial.
-Sim. Ele tá maluco, quer o meu pum.
Os policiais se afastaram um pouco e pediram à moça um tempinho pra trocar umas reflexões.
-Isso é crime?
-O que?
-Querer o pum alheio?
-Sei lá. Cada um não é dono de seu pum?
-Ai ai! Hummm! Teoricamente sim, né.
-Mas o pum, depois de solto, acho que é de domínio público né?
-Xi!! Sei não.
Sir Molemon acabou sendo detido e foi levado algemado para a alta Corte de Julgamento da França. O juiz proferiu sentença condenatória a ele, pois o pum é propriedade independente de cada um.