UMA HISTÓRIA DE VELHO OESTE - O ALTO PREÇO PAGO PELO XAROPE
Lá no Velho Oeste havia uma quadrilha de bandidos liderada por Barth Catástrofe, irmão de Jack Calamidade. Cart Nelson foi até aquela cidade para acabar com essa quadrilha. A cidade era Poko Vill City.
Cart saiu se esgueirando pelas paredes. A noite já ia alta. Noite sem lua, uma escuridão quase total. Uma coruja planava no espaço negro, piando estridente quando pressentiu a presença estranha. Empurrou a porta dos fundos. A porta se abriu e Cart sentiu o ar frio da noite. Ganhou o espaço dos fundos do hotel. Ficou atento a qualquer ruído. Foi rápido, uma pancada em sua cabeça fê-lo desacordar. Imediatamente quatro homens o carregaram numa carroça. Desapareceram silenciosamente em direção ao norte. À pequena passagem da estrada de ferro. Amarraram Cart, ainda desacordado, nos trilhos.
-Ah, hahahahahah! -riu um homem na escuridão, -Vamos ver se tem sorte, forasteiro.
Ataram bem os nós em cordas rijas para que o prisioneiro não tivesse como que escapar. Foram logo embora. Cart ficou entregue à sorte.
Passavam as horas, o próximo comboio marcado para passar às dez e meia. Cart finalmente se desperta. Tonto ainda pela pancada na nuca, mas aos poucos recobrando a lucidez. Lutou , mas as cordas estavam muito espessas em seus punhos e pés.
-Que droga. Patifes!
Cart lutava, mas sua luta era em vão. Os facínoras amarraram muito bem as suas pernas. Quando ouve um ruído.
-O que será? Um dos bandidos para se certificar de que eu morri mesmo?
Passos descompassados de um cavalo, pelo jeito cavalo ferrado, isso significava um cavalo montado por alguém.
-Olha o xarope, um xarope maravilhoso, um xarope milagroso, um xarope que pode curar todas as suas mazelas!
-Óh, não. -cerrou dos dentes, Cart, de raiva, -Era só o que faltava.
-Ah, olha o que achamos! -Cart recebeu o facho de luz de uma lanterna bem no rosto, -O nosso amigo está amarrado! Está com sorte hoje, meu senhor, temos aqui o melhor xarope jamais inventado por todo o Velho Oeste.
-Droga, cadê esse trem que não aparece! -sussurrou Cart, mais para si mesmo.
-Rouquidão, catarro, tosse de cachorro, tosse crônica, tosse aguda, estão com os dias contados. Chegou a solução para os seus problemas, Xarope Tiro-Certo.
-Você não tem nada aí para me tirar daqui?
-Não. -respondeu secamente o vendedor de xarope.
-Filho da mãe.
-Posso tirá-lo daí se comprar meu xarope.
-Comprar o seu xarope?
-Temos uma promoção hoje: comprando duas caixas de nosso xarope você ganha inteiramente grátis uma faca para cortar cordas.
-Âhn, então vai! Compro as duas caixas de xarope! Vai, cara! Por que não me disse logo!
Nisso, ao longe, o estrepitoso barulho dos ferros da composição férrea se aproximando.
-Anda logo, o trem vem vindo.
-Há dez minutos atrás renegou o meu xarope.
-Mas agora eu quero o seu xarope. -gritou Cart de agonia, o trem se aproximava na noite cada vez mais escura. -VAI, CARA! TÁ ESPERANDO O QUÊ?
-Calma, não estou encontrando... Será que coloquei nesta bolsa ou na outra? Bem... -o sujeito remexia aqui e ali, sem sucesso.
O barulho do trem cada vez mais perto.
-Anda logo, anda logo! VAMOS! ANDA LOGO!
-Calma!
-COMO TER CALMA!
O trem cada vez mais perto.
-CARA, VAMOS LOGO!
-Estou procurando. Tenha um pouco de tranquilidade.
-Como ter tranquilidade!? Fala assim porque não é você que está preso nos trilhos prestes a ser esmagado por uma composição.
-Quer saber de uma coisa? Cansei.
-O quê?
-Você é um cara muito chato. Vou vender para uma pessoa que queira de verdade o meu xarope e não por interesses mesquinhos.
-Como interesses mesquinhos, a minha vida está em jogo!? Amarraram-me aqui, querem que eu morra.
-Agora é mais um que quer que você morra.
Cart viu, em pânico, o cidadão montar em seu cavalo.
-Onde vai?
-Embora.
-Ei, e o meu xarope?!
-Até mais.
-VOLTE AQUI! EI, VOLTE AQUI!
Cart ouviu os passos do cavalo cada vez mais distante.
-EIIIIIIIIIIIIIIIIII! CARA, VOLTE AQUI! EI! FILHO DA MÃE, NÃO ME DEIXE AQUI! EI, VOLTE!
Só restou o silêncio para Cart. O estridente roçar de ferros, roldanas e engrenagens se aproximava. Cart Nelson espreitava a morte se aproximando. Na verdade vinte metros. Cart podia sentir o vento dos cilindros de pressão do trem contra o solo áspero do deserto.
Vraaaaaaaaaammmmmmm! A composiçao passou como um raio. Deixou para trás uma moita de capim seco balançando pelo vento provocado por sua força.
Cart abriu os olhos.
-Estou morto!
Percebeu que o sol ia alto da manhã. Pássaros brincavam numa revoada mais ao longe.
-Não, querido.
Cart olhou de lado. Uma moça, dentuça, de nariz grande e desajeitado, uma verruga bem na ponta do nariz. Seus lábios eram tão grandes que pareciam rolos compactadores. Tinha uma perna de pau. Para completar o quadro horrendo, era vesga. Cart lembra de ter visto uma coisa dessas desenhada numa lata de formicida.
-Meu amorzinho.
-Não te conheço. -disse Cart.
-Posso tirá-lo daí.
-Então me tira.
-Nã, nã, nã! Nó, nó, nó! Primeiro, quero algo em troca.
-Uma plástica!? Conheço um cirurgião, um bom cirurgião em Cacasco, ele trabalha com técnica de tirar onde tem mais e colocar onde tem menos. Por exemplo, em você, ele pode tirar da bunda e botar na cara. Já imaginou que maravilhosa você vai ficar!?
-Cale-se! -aquela coisa aproximou o rosto de Cart, sorriu. Ele pensou que aquela coisa iria abocanhar um bocado de carne do seu pescoço, mas disse calmamente: -Tiro você daí, só se casar comigo. Vivermos juntos e felizes para sempre.
-Ah, claro, é só me tirar daqui.
-Nã, nã, nã! Nó, nó, nó! Não confio em homens. -respondeu ela fria e secamente.
-Tenho um palpite...
-Cale a boca!
-Nossa relação não vai dar certo, já está começando mal.
-Vou chamar o frei Jones, para realizar o nosso casamento.
-Ei, como que é?
-Vou trazer o frei Jones e vamos nos casar aqui, depois te solto.
-Não pode fazer isso!
-Você não está em condições de discutir nada, meu caro! -ela se aproximou de Cart, forçando o decote do vestido sensualmente, onde dois seios, grandes como algo grande e descomunal se aninhavam. Em seguida fez um beicinho erótico, -Tudo isso será seu, meu quê-quê-quê.
Cart suava frio, engolia em seco. Viu a moça sair de cima de si, para seu alívio. Montou num pequeno cabriolé, puxou o seu chapéu de leide para proteger do sol e foi sumindo em direção à cidade.
Em menos de uma hora, estava de volta, trazia Frei Jones, o escrivão Jason, algumas testemunhas. Dipirona vinha vestida de noiva. Cart suava mais que um camelo. Podia estar acontecendo de tudo menos aquilo. Fechou os olhos, quando abriu a cena continuava. Imaginou que fosse um delírio, mas era tudo real.
-Bem... -começou Frei Jones, -Estamos aqui reunidos em comunhão com o sacramento do matrimônio que unirá este belo casal.
Cart amarrado sobre os trilhos, Dipirona, ajoelhada a seu lado, de frente com o Frei, segurando o buquê de flores.
-Sabemos que o amor nasce de uma conjunção universal, onde dois corpos se tornarão um só. Nasce o amor das condições mais sublimes, e atinge um elo maior com o ponto máximo de união do homem com uma mulher, que é o casamento. Reunidos aqui hoje, nós todos temos a certeza de comprovar mais uma vez que o amor vence. (Dipirona sorri com seus dentes estufados e devora Cart com os olhos.) Vejam este casal que foram, literalmente amarrados um ao outro. Quem colocou este homem no caminho desta mulher? Quem colocou esta mulher no caminho deste homem? Não. Não temos a resposta. Quem somos nós para duvidarmos de mistérios jamais sondados! -Cart tinha um monte de coisas para contar, mas foi duramente intimidado pelos beiços de Dipirona. -Se uma estrela brilha mais no céu, entre as outras, o que devemos fazer? Contemplá-la. Porque seu brilho não durará muito. Quando surge uma estrela que brilha mais, significa que algo maravilhoso está acontecendo entre nós. Na minha frente, vejo este feliz casal, que encontraram o amor à primeira vez que seus olhares se cruzaram. Senhora Dipirona Scott Brite.
-...senhorita Dipirona Scott Brite, mostrando a sua pureza, a sua dignidade de uma moça que suportou as tentações da carne, suportou as tentações da sua libido, se resguardando para se entregar ao homem de sua vida. Dipirona Scott Brite, aceita Cart Nelson como seu futuro esposo na doença e na saúde, na riqueza e na miséria, no doce e no amargo da vida...
-Tudo bem, seo Frei Jones, claro que aceito.
-Senhor Cart Nelson, um homem de bem, digno, trabalhador, que passou de tudo para oferecer seu amor para esta senhorita. Aceita a senhorita Dipirona Scott Brite na doença e na saúde, na riqueza e na...
-Ele aceita, Frei Jones. -virou-se para Cart e sussurrou em seu ouvido: -Você que sabe... ou ficar para os urubus?
-Sim, Frei, aceito. Aceito.