Sululu
Pôr do sol. Dois amigos atravessam a avenida em frente à casa deles, se distanciam e deitam debaixo de uma árvore cujas folhas caem, uma a uma, num intervalo de 1,61 segundo. Estão na pré-adolescência.
— Existe a palavra sululu?
— Sululu?
— É. Existe?
— Não.
— Mas como eu acabei de falar ela — diz com ar de orgulho e desdém —, agora existe. Criei uma palavra.
— Tá. Mas o que ela significa?
— Sei lá. Mas ela existe. E tem mais: só eu sei disso. E agora você.
Continuam olhando para as partes e ex-partes da árvore, com as mãos em travesseiro.
— Cara, essa palavra não tem no Houaiss, no Volp e nem no Aurélio.
— E como você tem tanta certeza?
— O autor dessa historinha babaca pesquisou antes de escrever essas três últimas falas.
— Hum. Original.
— Também achei.
— E, como ele quer dar uma liçãozinha de moral, ainda estamos falando.
— Que lição?
— Você criou uma palavra e diz que ela existe. Mas, se não dá pra usar, ela não serve pra nada. Uma hora ou outra, você nem vai mais lembrar dela. Eu acho que só quando as pessoas usam a palavra é que ela existe de verdade.
— Político que pensa assim. Quem não é útil pra eles, não existe.
— Bom. O importante é a gente ser útil pra gente mesmo; e consequentemente a gente vai servir pros outros.
— Tá, mas agora pensa numa gíria. Poucas pessoas usam, mas é útil. — Coça a testa e continua. — Hum? Será que existe uma quantidade mínima de pessoas pra uma palavra ser útil e existir?
— Não sei. Mas duas já podia ser suficiente.
— Então só falta dar um significado pra sululu e a gente passa a usar ela.
— Boa.
— Que tal sululu ser qualquer menina legal, branca, com cara de lua e bem sardenta?
— Hum. Legal. Ué...! Minha irmã é assim.
— Hum... Adoro sululus...
— No plural ficou engraçado. E te salvou de uns murros.