PAI DE SANTO 171
Morro do Cantagalo, Rio de Janeiro década de 1950.
Entre os muitos barracos da pobre favela havia um entre eles cuja fama se espalhava em todos os morros vizinhos. Era o barraco de Zé Fofinho de Ogum. O que se dizia dele era que possuía poderes miraculosos. Lançava búzios e estes lhe revelavam tudo aquilo que ele queria saber. Da hora que nascia, ao dia em que ia morrer. Sua especialidade era “amarrar” mulher e “amansar” marido. Poucos duvidavam da sua capacidade de fazer chover quando quisesse. Esse era o Pai de Santo de quem multidões de adeptos das crenças afro brasileiras do morro de Cantagalo e adjacências conheciam e reverenciavam. Entretanto, uma outra camada da sociedade cantagalense sabia de outra versão da história dessa interessante personagem. O que se espalhava a boca pequena é que Zé Fofinho não passava de um tremendo 171. Um golpista de marca maior. Cansou-se dos jogos de três cartas, dos dados, e do jogo do bicho, viu que explorar a fé alheia era bem mais lucrativo.
Tudo estava indo muitíssimo bem até que num dia excepcional, uma jovem mulher adentra furtivamente o terreiro de Zé Fofinho. A mulher se vestia com esmero esplendoroso. Tudo nela indicava luxo e riqueza. O perfume, o elegante chapéu e principalmente, a bolsa. Os cifrões brilharam em ambos os olhos do suposto pai de Santo. Zé Fofinho recepcionou a bonita madame vestido em sua melhor indumentária para impressionar. Camisa branca alva como nuvem em dia de sol causticante, as calças também traziam a mesma alvura, um xale vermelho lhe recobria o pescoço ocultando o elmo de São Jorge, parte da enorme tatuagem que Zé fofinho mandara fazer nas costas a pedido de seus santos padroeiros. No turbante, uma joia cristalina azul (provavelmente um topázio). Zé fofinho iniciou a sessão como sempre costumava fazer, só que dessa vez, foi mais teatral que das demais vezes, afinal, aquela mulher era uma grã-fina da alta sociedade. Jogou os búzios sobre a grande mesa branca, repartiu as cartas do tarô. Por fim revelou:
- Os búzio de Pai Zé Fofinho num mente não, misifia, eles tão dizeno que voscemecê tá seno chifrada.... é sim misifia. Mas Pai Zé Fofinho vai fazê um trabaio pra misifia recuperá seu home. Misifia me traga uma peça de ropa dele, Zé Fofinho vai quietá essa pomba gira de riba de seu home. Agora misifia deixa com o minino ali uma contribuição pros santo de Zé Fofinho.
O que o esperto pai de santo não sabia e nem seus santos lhe avisaram, era que aquela formosa dona era esposa de J. Rodrigues, o mais temido delegado da Zona Sul do Rio.
Ao descobrir que suas puladas de cerca estavam sendo caguetadas por um malandro do Cantagalo, o delegado subiu o morro a procura do meliante. Deu batida no terreiro de Zé Fofinho sem mandado de prisão e enquadrou o pai de santo 171.
- Então é o senhor que anda entregando de bandeja as autoridades da Zona Sul?
- Não siô, dotô – disse Zé Fofinho tremendo de medo. Pois conhecia J. Rodrigues e sabia que ele não dava sopa pra bandido.
- Pois então trate de me explicar como que minha mulher vem aqui toda semana, deixa todo dinheiro que lhe dou e chega em casa me acusando de trairagem!
- Num sei de nada, não siô – dizia nervosamente Zé Fofinho.
- Pois está bem – disse o delegado e chamou um dos seus agentes e mandou segurar o suposto pai de santo.
- Tirem a roupa dele – ordenou o delegado.
Tiraram as roupas imaculadamente brancas de Zé Fofinho. Ao ver às suas costas a grande tatuagem de São Jorge, o delegado ficou impressionado e perguntou o que significava.
- Diz que é pra deixar o corpo fechado, doutor –respondeu um dos agentes que acompanhavam o delegado.
Todos soltaram uma sonora gargalhada. Pois sabiam da fama de malandragem de Zé Fofinho.
- Então vamos ver como funciona – disse o delegado – tragam o cipó!
Trouxeram um grosso cipó de boi. O delegado ordenou que açoitassem o pobre Zé Fofinho. E o cipó de boi desceu impiedosamente sobre as costas do servo de Ogum. Os gritos lancinantes dele eram ouvidos em toda favela.
Nas costas de Zé Fofinho a bem desenhada tatuagem de São Jorge, austero e imponente em seu cavalo branco comoveu o delegado que disse:
- Livra somente a cara de São Jorge. Mas pode bater até o cavalo correr.
(Texto extraído de humorado pagode do saudoso Bezerra da Silva)