MELÃO NA CABEÇA PRA FAZER CÁLCULOS COMPLICADOS

Ismael disse que iria para o mar. Por dois motivos. Um, para beber um pouco da água do mar. Falaram que faz bem para o reumatismo. E outra: para sentir como seria a areia da praia. Disseram para Ismael que a areia da praia tem poder curativo. Ficar enterrado na areia cura impotência, claro que esse não era o seu caso, mas a areia da praia tinha outros poderes curativos.

Montou em seu Fusca verde opaco e se acomodou no banco. Era uma manhã nebulosa de inverno. Rajadas de vento de 62 km/h traziam não só as folhas das árvores caídas no outono, mas todo tipo de sorte de quinquilharias ou bagulho. Sacolinhas de supermercado, poeira, fragmentos de pau e chapéus. Sim, chapéus vinham planando na atmosfera saudável daquela manhã.

Ismael e a sua mulher iriam para a praia. A dona Acetil não via a hora de conhecer o mar.

Ismael deu partida no Fusca. O motor não reagiu. Ouviu-se apenas um num-vô num-vô num-vô muito fraco. Ismael tentou novamente. O mesmo num-vô de antes. Essa agora?

Porém Ismael desceu do carro, estufou o peito, arqueou os braços, só faltou dar um belo berro para a selva à sua frente, só não fez isso porque sofria de aspiração átrio ventricular regressiva no pulmão esquerdo. Mas, como conhecedor de álgebra de armazém e pneumática avançada abriu a tampa que escondia o motor e partiu para o reparo.

Primeiro passo: encontrar o defeito.

Segundo passo: eliminar o defeito.

Terceiro passo: ligar o motor.

Quarto passo: partir para a praia.

Dona Acetil apanhou o seu crochê. To vendo que isso vai demorar.

Depois de quarenta e dois minutos, Ismael lançou o seu grito: “Independência ou Morte!” A esposa dele então pôde pressentir que o marido estava perto de dar o primeiro passo.

Horas depois e um grito: “Um fio solto! Um fio solto!” Agora é só descobrir onde este fio solto é encaixado.

Dona Acetil estava com a idéia de fazer um conjunto de crochê para o genro. De quando pegou o crochê, já tinha concluído as calças.

De acordo com a mecânica moderna, toda parte móvel de um motor só é móvel quando está em movimento. Ismael coçou a cabeça. Ismael lembrou de Newton. Leis ainda obscuras da Física estavam impedindo-o de sair com o seu Fusca. Ia tirar isso à prova. Buscou uma maçã na geladeira. Veio com a maçã e a jogou na cabeça da esposa. “O que pretende, seu imbecil?!” A serviço da Ciência, respondeu ele. Depois perguntou: “O que sentiu?” “Minha cabeça está doendo, respondeu ela. Espere um pouco, refletiu ele, e se tentássemos de novo?

Ahnn! A esposa de Ismael ficou sem entender nada. Sem nem ao menos prevenir-se e outra pancada de maçã na cabeça. “Ei, está doido?” Estou querendo provar que certas leis da física ainda estão sem explicação.

Quer parar com isso!

Vendo que Ismael pretendia arremessar a maçã mais uma vez na sua cabeça, a dona Acetil fechou a janelinha do carro. “Esse cara está maluco!”

Ismael coçou a cabeça, teria de encontrar a solução.

E se eu tentasse um melão!?

Ismael ajoelhou-se no chão e olhou para as nuvens que pairavam naquele céu azul. As nuvens eram poucas. Ismael encontrou forças naquelas nuvens. Se levantou do chão e foi para o motor do carro, descobrir onde seriam conectados aqueles cabos desligados. Ismael ficou numa concentração só. Era ele e o motor. Ismael sabia que ia vencer. Os cabos desligados. Eles seriam conectados em alguma parte. Ismael estava decidido a encontrar a solução para aquele motor voltar a girar novamente. Ismael tentava num ponto. Noutro ponto. Tentava aqui, tentava ali. Estava preocupado, sua mulher esperava uma decisão sua. Praticamente enfiado junto com o motor do carro.

A mulher menos espera e Ismael aparece trazendo um melão.

-O que vai fazer com isso, homem?

Atira o melão na cabeça da esposa.

-Aiii! Seu ordinário! O que pretende fazer?

-Newton revolucionou a ciência quando uma maçã lhe caiu na cabeça. Tenho a impressão que usando um melão terei melhores resultados. Ahnnn, me diga, consegue fazer cálculos complicados?

-A única coisa que sinto é dor de cabeça.

Ismael apanhou o melão novamente. A mulher tentou se esquivar, quando ele fez mira, mas levou o melão novamente atirado contra a sua cabeça.

-Homem, o que te deu?

-Calma, mulher, estou perto de revolucionar a ciência.

Ismael atirava o melão contra a cabeça da esposa. Ele só podia estar doido ou ficado maluco devido a não poder consertar o fusca. Atirava o melão na cabeça da esposa. Não parava mais de atirar o melão na cabeça da esposa.

A alternativa para ela foi correr e buscar proteção na casa de um vizinho. Dona Acetil espiava ele, do lado de fora da casa segurando o melão.

-Mulher, venha aqui! O que está fazendo aí dentro? Não íamos para a praia?

-Não quero ir mais.

-Vem cá, amorzinho, em nome da Ciência.