A TPM de Liduína
Era um daqueles sábados típicos do verão carioca. O Calçadão de Bangu, um dos bairros mais quentes da Zona Oeste do Rio, estava repleto de pessoas que realizavam as compras natalinas de última hora.
Fazia um calor insuportável, mas o dia estava lindo, com aquele SOL escaldante, de que o carioca tanto se orgulha! Aqui, o mês de dezembro, é um período de loucura coletiva. Todos saem às lojas à procura daquela inútil “lembrancinha de Natal” ― que tanto nos emociona! ― As pessoas amontoam-se nas bancas de liquidação, disputando a mesma peça, por meio de empurrões ou da lei do mais forte. Nessa hora, o calor humano fala mais alto. Para as demais situações existem filas. Até fila para entrar na fila alguém organiza.
O trem, que vinha lotado de Santa Cruz, parou na estação e despejou aquele formigueiro humano que vinha conhecer as novidades do bairro: o Shopping, a rua climatizada e a escada rolante. Liduína soubera por uma amiga que, em Bangu, as coisas estavam com os preços ótimos e que a escada rolante já estava funcionando.
─ Ai, Marinete, eu sou doida pra andá de escada volante! Vou tirá é muita foto pra mode postá no face e compartilhá com as muierada lá do Norte. Elas vão morrê é de inveja! ─ Confidenciava à amiga, enquanto dava pulinhos de emoção.
Assim,combinou com o marido e vieram de trem. Jamais vira um trem de verdade e achou incrível viajar naquele "bichão cheio de gente" !!! Entretanto, ao chegar à estação de Bangu e avistar a multidão, ficou muito nervosa, coitada! Parecia um passarinho numa exposição de gatos! Começou a empalidecer e a suar frio.
Ah! Mas, quando avistou a tal escada volante, a melhora foi imediata! Saiu puxando o marido e preparando a câmera para começar a sessão de fotos. ─ Este lugar é lindo de bonito! Capricha na foto, Fidel! ─ Gritava para o marido. ─ Tudo ali era novidade, motivo de encantamento!
Estavam na fila da escada, há mais de meia hora, quando Liduína, com aquele jeito "discreto" de falar e aqueles enormes olhos azuis, chamou a atenção da repórter de uma emissora de televisão que fazia uma matéria sobre a saúde da mulher:
─ Bom dia! A senhora gostaria de participar de uma entrevista?
─ Mas é craro que eu posso! Eu vou aparecê na televisão? Vou ficá famosa, é? E qual é o pograma?
─ Bem, se a senhora autorizar a exibição de sua imagem, esta entrevista irá ao ar na próxima sexta-feira, às dez horas, no programa Saúde.
─ Ah! Pois tá bom! Minha fia, já tá é otorizado! Pode me preguntá o que tu quisé, pruquê eu num tenho é nada pra escondê de ninguém. Arrespondo tudo é na bucha!
─ Qual é a sua idade?
─ Eu tenho vinte e quatro, ano e tô dentro dos vinte e cinco.
─ A senhora é casada
─ Sou casada mais o Fidelino, já tem dez ano. ─ A senhora fica muito irritada, antes da menstruação? O que a senhora sente?
─ Vixe Maria! Eu só falto é endoidar de tanta dor de cabeça e cólica.
─ Então, qual é a opinião da senhora sobre TPM? Isso atrapalha a sua relação com seu marido? Ele sofre com isso? O que a senhora faz para diminuir os sintomas?
─ Oxe!!! Que pregunta mais besta! Muié, tu tá doida, é? Sofrê nós num sofre não. Mode quem mora na favela cuma nós, é muito mais mió tê PM do que tê bandido! E tombém num sei pra que diminuí os sintoma, se esses home só faz é o bem pra nós. Eu queria era que omentasse mais !!!
A jovem repórter sentiu-se confusa. Afinal, que idioma era aquele que mantinha alguma semelhança com o português, mas, ao mesmo tempo, era tão diferente? Pensou em recomeçar a entrevista em inglês. Talvez, a interlocutora entendesse o idioma. E, para isso, procurou simplificar o diálogo, arriscando um:
─ Once more?
─ Eu moro na comunidade do Rola, em Santa Cruz mais o meu esposo, meu fio Werley e minha irmã Alba.
Atônita, e já sem graça, a repórter arriscou o espanhol:
─ ¿Hablas español?
─ Bichinha, deixe de fulerage! Se eu dixe que Alba é minha irmã, Cuma é que ela pode ser espanhol? Ela é que nem eu, muié feme e nortista, lá do sítio Juriti!
Decepcionada com o insucesso da entrevista, a repórter desligou o microfone, afastando-se, cabisbaixa, com apenas um tchau.
No entanto, a consciência não a deixou em paz. ― Estou sendo intransigente demais... esta pobre mulher foi tão gentil comigo, mesmo não falando a minha língua e eu, nem lhe agradeci! Eu deveria ter sido mais tolerante! Talvez, ela fale o francês.... É isso!!! O nome do lugar onde ela nasceu parece ser de origem franceeeeeeesa!!!" Ligou novamente o microfone — Se a estratégia desse certo, seu trabalho não estaria perdido —.Aproximou-se novamente de Liduína, esboçou um sorriso e agradeceu-lhe em francês:
―Merci beaucoup!
Ah, não! Aquilo passara dos limites de sua tolerância e Liduína não era mulher de levar desaforo para casa! Ao ouvir aquela ofensa, tomou o microfone da moça e disparou contra ela: ― Mas, que marmota é essa? Mande sua mãe ou vá tu merma, cabrita mal-educada! Tu mim arrespeite que eu sou muié dereita, casada e mãe de famia, vice? E, qué sabê de uma coisa? Antes que eu faça tu engoli esse nicrofono, tu vai mim dizê, agora: Quano é que eu vou aparecê na televisão? Quanto é que tu vai mim pagá? Mode que eu num sou galo pra cantá de graça não, vice?
― Posso tentar conseguir uma participação da senhora num programa como “O planeta selvagem”ou “Assim vivem as antas”. Quanto ao salário, isso se decide depois. Pode ser?
― Ah! Pois tá é bom demais! Deusde que eu seje famosa, serve quarqué coisa!
Enquanto a repórter saía arrasada, lamentando o tempo que perdera com aquela entrevista, Liduína comemorava o sucesso, fazendo caras e bocas para ser fotografada pelo marido:
― Ei, Fidel! Mermo que essa muiezinha seje um pouco abestada, valeu a pena! Pense na inveja daquele povo quano ligá a televisão e percebê que a estrela é a joinha aqui! Eita! Inveja arrumada, hem?!
Inspirado em fatos reais.
Imagem do google