O MARIDO QUE COMEÇOU A VER O FUTURO ATRAVÉS DO GRÃO DE FEIJÃO
Neide chegou em casa. O marido Dirceu estava catando feijão na cozinha. Tiãozinho, o filho do casal, brincava com uma galinha amarrada pela perna.
-Homem! Quantas vezes vou falar! Não deixe Tiãozinho judiar da pobre galinha. Tiãozinho, vá tomar banho! E você, homem de Deus, não acabou de escolher este feijão!? Nem descascou as batatas para o pirão! Olhe só, nem guardou o leite! Daquela hora que eu saí! Esse leite fora da geladeira! Sorte! Sorte que não azedou! Apesar de tudo a gente tem sorte! Também com um homem com você tem que ter sorte mesmo. Um homem que não nasceu com o dom do pensamento.
Neide era uma mulher corpulenta e grande. Dirceu, o conhecido Biboca, era um homem exagerado. Exageradamente magro, exageradamente cabeludo, braços exageradamente longos (por isso que dava certo na colheita do babaçú), seu traseiro era exageradamente sumido, seus olhos eram exageradamente grandes e profundos, tinham de ser pescados quando alguém quisesse olhar nos olhos dele. Se conheceram em Cajazeiras, na Feira do Manduri. Como acontece com todo casal que nasceu um para o outro e o destino só lhes colocam um argumento para que se descubram, os dois se esbarram. Dirceu ia levando dois quilos de farinha de mandioca e uma manta de carne seca. Neide sempre corpulenta, escorregou numa casca de melancia e desabou em cima do sempre magrelo Dirceu. Todos correram ajudar. Uns se perguntavam como foi acontecer aquilo. Outros se perguntavam se havia alguém embaixo dela, porque chegou a ser visto algo se debatendo depois sumiu. Outro respondeu que podia haver alguém sim porque podiam-se ouvir gritos abafados clamando por socorro. Um pega aqui, outro pega ali, vem mais um trazendo uma madeira para ajudar como alavanca. Mais outro pergunta se não é melhor chamar o trator que carrega entulhos da prefeitura para levantar a moça. Só se sabe que Dirceu sobreviveu, mas nascia ali um amor casual, coincidência do destino.
No início do namoro, o seu Abraão, pai de Neide ainda advertiu Dirceu:
-Conheço você, conheço a sua família, mas veja lá! Neide é uma moça de família, nunca caiu em perversidade. E cuidado, não vá fazê-la infeliz. Não vá fazer nada antes da hora. Aqui em casa quero que as coisas saiam dentro dos conformes. Já casei duas filhas, a Ambrósia e a Angustiana. E quero casar Neide como manda o figurino. Olhe lá, rapaz! Esta moça é uma moça de respeito. Neide, vem cá! Você já fez aquele exame pra saber se o cê tá em orde pra casá!? Aquele exame pra vê se não tem nenhuma moléstia? Nenhum escorrimento, nenhum inchaço?....
-Que é isso, pai! -Neide não sabia onde enfiar a cabeça.
-E o senhor, seo Dirceu? Já foi examiná se a tua pistola não tem nenhuma moléstia grave!? Porque pra casar com a minha filhota, a pistola tem de tá em perfeito estado. Não quero vê fia minha aqui em casa reclamando de pistola de marido.
-Pai! Que é isso, pai?
-Calma, minha filha! Teu pai sabe o que ele tá fazendo. E é tudo pro bem do cês! O cê tem probrema de morróide? Porque se tem vou contá uma coisa, teve um cunhado meu, casou com a minha irmã, minha irmã é bitela, pouco maió que Neide. Ela casou com o Antônio Bilac, disse aí que era parente de um tal de Bilac, poeta, sei lá... Só sei que o homem tinha morróide e não contou. Pra quê! Não aguentou. Porque olha, pra aguentá esse mulherada, tem que ter a região do macho da cotia bem firme. O pobre homem estourou a morróide.
-Pai, vai assustar o pobre Dirceu.
-Filha, é melhor prevenir que remediar.
Depois se casaram.
Neide trocou de roupa. Dirceu tinha acabado de escolher feijão. Tiãozinho estava tomando banho.
-Dirceuzinho, o médico me examinou aqui, óh! Eu fiquei até com vergonha. Mas ele disse que eu peguei alergia de capim. Ah, e ele falou que você não pode me perturbar durante um mês e meio.
-Sei.
-Você sabe o que eu quero dizer, né?
-Sei.
-Que coisa chata, Dirceu, eu fiquei pelada na frente do médico.
-Coitado, se ele não desistir de ser médico agora não desiste mais.
-O que você resmungou?
-Nada, eu estava conversando com o grão de feijão.
-O que?!
-Querida, você não sabia, descobri outro dia, tenho poder. Eu posso conversar com qualquer coisa. Outro dia eu conversei com o coador de café.
-Dirceu, você tem poder!? -Neide ficou entusiasmada, de olhos arregalados, espevitados. -Então pergunta para o grão de feijão se ele sabe a cor de esmalte pra eu ir na festa de aniversário da Jandira... Ah, e pergunta pro grão de feijão se eu vou ter alguma surpresa na vida assim... sabe, sei lá. Vai, vê aí!
-Meu docinho de jaca.. ouvi daquela paçoca li que o cê vai ser milonária nessa vida ainda.
-Éééé?