RH Do Crime

Um homem anota alguma coisa em uma folha sobre a mesa. Ele é o Entrevistador.

ENTREVISTADOR: Próximo candidato!

Entra um rapaz de roupas chamativas, boné, ouvindo alguma coisa no fone-de-ouvido. Ele dança enquanto entra na sala. O Entrevistador o encara com olhar curioso.

ENTREVISTADOR: Bom dia!... Oi? Bom dia, amigo?... Oi?... Bom...(levanta-se e afasta o fone do ouvido do candidato). Oi! Tudo bem? Oi... Isso...Aqui!

CANDIDATO: Fala aí, parceiro! Beleza, nego?

ENTREVISTADOR: Sim... Be... Beleza. O senhor veio pra entrevista?... Suponho.

CANDIDATO: Foi... Tá ligado que minha mãe já tá me olhando torto direto, fala que só vivo no Facebook, só no Zap... Aí vem aqui procurar um trampo, tá ligado?

ENTREVISTADOR: Um trampo... Na vaga de Auxiliar de Departamento Pessoal? É isso mesmo?

CANDIDATO: Oi? ...Pô, era pro R.H. É isso? Vaga de neguin que contrata e descontrata, tipo como? Bota no olho da rua os comédias, só contrata gostosa... Tipo como? ♫ Moleque... Transante...♫ (dançando) Tô aqui pra representar só com funcionário padrão, mano!

ENTREVISTADOR: Entendi... Sente-se aí. Qual seu nome?

CANDIDATO: É Chernobyl. Tipo uma cidade mandada aí que foi destruída. Papo de geral virar mutante. Zoaram legal a cidade. Nem sei porque meu pai me deu esse nome, mas as novinha se amarra. Tipo estrangeiro dos states,né?

ENTREVISTADOR: Fabuloso. É... Achei seu currículo. Chernobyl... Cleber de Paula. Tem 22 anos... Ué? Aqui só tem seus dados... E como trabalhos anteriores tá RH do Nilsinho da Pedra Fumada. Que empresa é essa?

CANDIDATO: Ah, foi meu último serviço, né? Eu contratava os menor pro chefe lá da Favela do Roliço. Boladão!

ENTREVISTADOR: Seu Chernobyl, o senhor era o quê?

CANDIDATO: Bandido!

ENTREVISTADOR: Oi?

CANDIDATO: Bandido! Vida do crime! Traficante do mais alto cargo!... Eu trabalhava na boca do Nilsinho. Contratava os menor pra ser fogueteiro, aviãozin, alguns ia fazer entrega pelo moto-táxi, outros trocava tiro com os cana, tipo como: “Pa pum pa pum! Tau! Tau! Vai morrer comédia! ...Mata aí, seu cuzão! Pow pow pow!...Ai! Acertou a minha perna!”... Era neurótico!

ENTREVISTADOR: Meu Jesus... O senhor era criminoso?La...Ladrão?

CANDIDATO: Pode ser. Eu também roubava na rua antes. Comecei na rua mesmo. Eu fingia que ia engraxar os playboys lá no centro da cidade, aí quando acabava roubava os otário, tipo como? Eu e meus parceiro lá, o Ximbica e o Ossudo. Maior saudade. Aí eles morreram tudo.

ENTREVISTADOR: Bela história...

CANDIDATO: Aí depois fiquei assaltando madame em Copacabana, roubando cordão na Atlântica, fazendo arrastão na Praça Quinze, roubando celular e vendendo no sinal. Essas coisas de leve. Pow, era correria! Tinha dia que nem dormia, irmão!

ENTREVISTADOR: Ok. Muito emocionante. Mas e a experiência em RH?

CANDIDATO: Tu é surdo, tu? Eu contratava e descontratava os menor lá. Ah, e também dava justa causa nos vacilões. Tipo: “Ah, eu num roubei a boca!” aí eu pegava a pistola, e mandava logo a real: “Roubou sim, seu comédia! Vai morrer, bunda rachada!” pa tum pa tum pa tum! “Coé, na cara não!” pa tum pa tum pa tum!

ENTREVISTADOR: Uma perguntinha, tu já foi preso?

CANDIDATO: Na verdade tô foragido, né? Matei um cara lá na Pavuna, roubei o carro, e agora tô fugindo. Tá foda conseguir se esconder, mas acho que mais pro final do ano, vou pro norte.

ENTREVISTADOR: Chernobyl, sinceramente, acho que o senhor não se encaixa na empresa.

CANDIDATO: Ih, qual foi, mano? Porra, vim lá do Jacaré, boladão, só com um caldo de cana e um pastel no estômago, e tu vai me deixar na pista, irmão?

ENTREVISTADOR: Creio que sua permanência aqui seria duvidosa.

CANDIDATO: Pô, me arruma qualquer coisa aí. Contar dinheiro? Po, eu fazia a contabilidade do tráfico lá na favela. Nunca errei uma matemática, e olha que meu diploma é falso heim! Coé...

ENTREVISTADOR: Infelizmente eu...

CANDIDATO: Cês são foda. Num dão oportunidade mesmo,né? Depois reclama que a gente vai pra rua, quebra tudo, vota em pastor... Coé, cansei! Passa esse relógio aí, meu irmão!

ENTREVISTADOR: Tu tá me assaltando?

CANDIDATO: Bora, mano! Passa o relógio, o celular... Bora! Vem! Vem! Vem!

O candidato rouba os pertences do entrevistador e vai embora.

O Entrevistador se levanta, respira fundo. Escreve alguma coisa em um papel sobre a mesa.

ENTREVISTADOR: Até que ele trabalha direitinho...

Fael Velloso
Enviado por Fael Velloso em 25/05/2016
Código do texto: T5646501
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