O legado espúrio de Rilke
No início do século XX, Rilke escreveu a Franz Kappus suas famosas "Cartas a um jovem poeta". Mal sabia ele da herança maldita que esse título deixaria. Uma rápida pesquisa na Amazon e me aparecem as nefandas: "cartas a um jovem herdeiro", "cartas a um jovem terapeuta", "cartas a um jovem cientista", "cartas a um jovem advogado", "cartas a uma jovem atriz","cartas a um jovem investidor", "cartas a um jovem político"(FHC, pqp!), "cartas a um jovem calvinista", "cartas a um jovem economista", "cartas a um jovem petroleiro"!!!!, "cartas a um jovem atleta"... até Vargas Llosa, que é um sujeito literariamente respeitável, aparece com umas "cartas a um jovem escritor". "Cartas a um jovem cirurgião" (Ivo Pitanguy :p). "Cartas a uma jovem socióloga", e por aí vai. Empreendedor, administrador, dentista, jovens de "tous les métiers" recebendo cartas de Rilkes embusteiros.
Em inglês é possível encontrar as: "Letters to a Young Mormon", "Letters to a Young Catholic", et cetera para todas as religiões sob o sol. "Letters to young lovers", "letters to a young madman", "letters to you researchers". Não me surpreenderia encontrar coisas como: "cartas a um jovem necrófilo", "cartas a um jovem virgem aos 40" ou "cartas jovem BBB que deseja ser presidente".
Se Rilke pudesse prever esse legado espúrio, talvez pensasse duas vezes antes de escrever, em 17 de fevereiro de 1903, as palavras:
"Prezado Senhor,
Sua carta alcançou-me apenas há poucos dias..."
Talvez o grande poeta de Praga chegasse à conclusão de que melhor seria se o jovem Franz Kappus ficasse sem resposta.