A FRIA NOITE DO LOBISOMEM

Parte da minha equipe de auditores estava trabalhando em Ponta Grossa em duas empresas do grupo. Éramos ao todo seis pessoas que todas as sextas-feiras, após ter jantado, já íamos direto para a rodoviária tomar o ônibus para São Paulo que partia às 22:00 horas. Já éramos conhecidos do motorista que gostava de um bom papo. Numa dessas noites com bastante lua e frio intenso o ônibus parou após termos passado por Jaguariaíva. O motorista parou, examinou o veículo e anunciou que não poderia continuar a viagem devido ao vazamento de óleo. Precisava voltar para pedir socorro. Quando um ônibus veio em sentido contrário, ele seguiu viagem deixando conosco um funcionário da companhia. Quase todos os passageiros dormiam. Um de nossos colegas roncava que uma senhora chegou a reclamar que não podia dormir. Então, ficamos acordados eu, o Akira, a senhora e o funcionário da companhia. Resolvemos ir conversar fora do ônibus para apreciar a noite de lua cheia. A senhora não resistiu por muito tempo o frio e voltou para o ônibus. Ouvimos um uivo e comentei:

- Uivo em noite de lua cheia lembra lobisomem.

Continuamos a conversa, mas sentimos também o frio e nos recolhemos. Tão logo a senhora veio conversar conosco na cabine e revelou que estava com muito medo. Perguntamos o porquê e ela respondeu que era medo de ser assaltada, pois aquela estrada era rota para Foz do Iguaçu. Ficamos de alerta, mas se fôssemos assaltados, o jeito era entregar tudo, pois nada poderíamos fazer.

Já se passara mais de uma hora que o motorista fora buscar socorro. Deveria ser umas duas horas da manhã, quando vimos, vindo em nossa direção, um homem vestido à semelhança do Fantasma das histórias em quadrinhos, mas sem mascara com um capuz de verdugo e um cão da raça do Capeto, seu fiel amigo. Ele se aproximava do ônibus pelo lado oposto. A mulher começou literalmente a rezar. Quando ele estava na direção do ônibus, se aproximou da janela do motorista e perguntou:

- Está tudo bem aí?

- Sim, respondemos.

- Se vocês tiverem algum problema é só me chamar que eu estou por aqui. Sou o vigilante da fábrica. Estou por perto.

Sentimos um cheiro de urina e vimos que aquela senhora tinha se soltado toda. Não havia nenhum pano para secar, apenas uma flanelinha que ficaria encharcada se fosse usada e ninguém, nem ela, quiseram fazer a limpeza. Ela se desculpou, mas o problema continuou.

Depois de consertado o ônibus, o motorista disse a todos:

- Nossa próxima parada será de apenas dez minutos, apenas para ir ao sanitário ou dar um telefonema, estamos muito atrasados, vou fazer de tudo para chegar a São Paulo às 7:30 horas.

Uma senhora com sotaque português ficou desesperada, pois a previsão era chegar às 6:00 horas e disse:

- Preciso pegar o avião da TAP às 10:00 horas.

- Eu mesmo levarei a senhora a Guarulhos com este ônibus, disse o motorista.

Foi um grande tumulto quando o ônibus parou em um restaurante. Todos queriam telefonar (a telefonia celular ainda não existia) e usar o sanitário. O motorista deu uma limpada no ônibus. Sorte que ninguém quis saber o porquê daquela faxina. Daria para fazer tudo em dez minutos? Não, não deu. A senhora portuguesa e o motorista estavam apreensivos. A “mijona” continuou viagem molhada mesmo, pois estava com a mesma roupa. Nem desceu do ônibus. Deve ter passado aquele frio! Isso só nós três sabíamos e fomos discretos até o fim da viagem. Depois contamos aos demais colegas que dormiram o tempo todo, pois um caso desses não ocorre sempre.

O ônibus chegou à estação Barra Funda um pouquinho antes das 7:30 horas. Com exceção das tralhas da portuguesa, as bagagens foram descarregadas de qualquer jeito. O ônibus seguiu para o aeroporto de Cumbica. Ficamos sabendo na sexta-feira seguinte que ela tomou o avião da TAP.

Exemplo de responsabilidade de um motorista, que já era avô, como esse foi o único que vi. Alguns poderiam até dizer que não tinham culpa e dane-se a passageira e a companhia que poderia vir a ser responsabilizada, no entanto ele mesmo providenciou o conserto e levou aquela senhora ao aeroporto. Medalha de ouro para ele. Será que a empresa reconheceu seu gesto ou puniu-o pelo custo adicional. Falo isso porque conheço muita gente e eu mesmo sofri na pele o desgosto de não ser reconhecido pela dedicação em todas as empresas que trabalhei num período de 50 anos. São os dissabores que a vida nos apronta.

No domingo, à tarde, por volta das 16:00 horas voltei a Ponta Grossa de avião, aqueles nos quais a gente entra como passageiro e desce como sobrevivente de tantos sustos que levamos nos vácuos. Ainda era dia, a tarde era fria e prenunciava geada, quando desembarquei. Os meus colegas preferiram ficar mais tempo com a família no domingo e embarcaram de ônibus às 22:00 horas. Para eles a viagem de ônibus não incomodava, dormiam bem mesmo em viagens rodoviárias. Só que naquela manhã, por volta das 6:30 horas o mais dorminhoco, o roncador, tocou a campainha do meu apartamento e disse:

- Santo, não vamos trabalhar pela manhã. Não dormimos um minuto sequer. Fez tanto frio que deu dor de cabeça em todo mundo. Estamos com frio até nos ossos. Vamos tomar um banho quente e dormir um pouco. Daqui a umas cinco horas estaremos lá. Durante o café os funcionários do hotel estavam comentando o frio que fizera na madrugada que nem os galos cantaram. Enquanto estava no hotel eu não tinha sentido frio, pois o ar condicionado estava no quente, mas ao sair do hotel para pegar o carro na garagem, percebi quanto frio estava fazendo. Durante o caminho percebi que ainda a grama estava coberta de branco. Confesso que foi o maior frio seco que peguei em minhas viagens. Soube que ficara abaixo de zero, mas não soube quantos graus. Trabalhei com os pés frios, quase insensíveis o dia todo e usava meias de lã.

SANTO BRONZATO
Enviado por SANTO BRONZATO em 05/05/2016
Reeditado em 06/05/2016
Código do texto: T5626145
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