A FARSA DAS BOFETADAS
“Da pedagogia Vicentina”
Refrão …… - Se de ralhete em ralhete
Não há melhoria de nada
Para que haja sainete
Só mesmo à bofetada!
Diz o mestre lá na escola
- Eu já não tenho solução,
Todos pensam mais na bola
Do que aprender a lição.
Diz na Igreja o senhor prior
- Eu não tenho paciência,
Tudo vai de mal a pior
Já não basta a penitência.
Diz a peixeira na estrada
- Ninguém procura o carapau
O negócio já não dá nada,
Quem dirá do bacalhau.
Diz na praça o vendedor
- Está mau para a verdura
Nem há frio, nem há calor,
Muito menos agricultura.
Diz na oficina o artesão
- Não vale a pena o arranjo
Na vigarice mete a mão
Todo o esperto marmanjo.
Diz na fábrica o operário
- Nunca tenho mãos a medir
Mas é tão magro o salário
Que não dá para nutrir.
Diz o agente comercial
- Abro a tenda, fecho a tenda,
Mas não vejo nenhum sinal
Do lucro para a encomenda.
Diz dos transportes o chaufer
- Com esta actual estrutura
Anda a pé quem os não quer,
Que os preços são d´ amargura.
Diz-se destas auto-estradas
- Já se abatem, aqui e além,
Por culpa das empreitadas
Que não dão contas a ninguém.
Diz-se do carro ou do avião
- Chegar bem nunca se sabe,
A direito ou em contramão
Se há culpa, a ninguém cabe.
Diz-se que não há trabalho
- Mas há muito que fazer
Só o consegue quem for alho
E até ganha quanto quer.
Diz-se de empresas, se as há,
- É o que há mais em cada esquina
Se são p´ ra hoje ou p´ ra manhã
Só com sorte se discrimina.
Todos falam d´ autarquias
- Que são bem ou mal geridas,
Mas havendo mordomias
Já cá cantam boas vidas.
Diz-se dos bancos e gerentes
- Buracos sim, buracos não,
Têm dinheiro, estamos contentes,
Não têm, bolas p´ ra Nação.
Diz-se que há especuladores
- É um negócio que está a dar
Com pouco se faz umas flores
Basta haver pernas p´ ra andar.
Diz-se que há médicos a mais
- Um emprego florescente
E há os privados hospitais
Procurados por toda a gente.
Diz-se que tudo é política,
- Mesmo quando imprevista
Não chateando, não se critica,
Pois é tudo fogo-de-vista.
Diz-se do país ou estrangeiro
- Que me interessa o seu estado,
Discutindo o tempo inteiro
Não dá sorte nem achado.
Diz-se de S. Bento ou Belém,
- Tudo fica em letra morta,
Qualquer fama que se tem
Nunca passa da cepa torta.
Diz-se do Chefe ou Presidente,
- Do direito ou das avessas,
Se não desenrascarem a gente
Não vale a pena promessas.
Diz-se que a gente é calminha
- O que se quer é sossego
Só é pena que quem tinha
Agora já não tem emprego.
Que a falar todos s´ entendem
- Diz-se, em conversa fiada,
Quanto a fazer – todos compreendem –
Só mesmo, mesmo à chapada.
Diz-se sempre deste País,
- Isto é terra de gente boa
Mas quem não verga a cerviz
Tem chatices com Lisboa.
Diz-se que no Parlamento,
- De conversa encomendada,
Palavras, leva-as o vento
Sem recurso à bofetada.
Diz-se que é boa clientela
- Está-se mesmo a ver que é,
Hora a hora na boa-vai-ela
E quem aguenta é o pobre Zé.
Diz-se do povo brigão
- É só força, é só saúde,
Mas perdendo o coração
Já lhe não sobra a virtude.
Acerca da bofetada
Reza a velha tradição:
- Perdem-se de uma assentada
Todas as que caem no chão.
Bofetada a tempo e horas
Pode até curar o tédio
- Ao doente leva as melhoras
Ao ocioso leva o remédio.
A alternativa à bofetada,
- Seja o tiro ou seja a bomba,
Não é mesmo aconselhada
A vir à crista da onda.
No processo educacional,
- Em termos de convenção,
É uma forma conjuntural
De sublimar a emoção.
Ralhete com desenvoltura
- É o mesmo que bofetada
Pode ser gesto de cultura,
Obra de Arte encomendada.
É uma lufada que estanca
Qualquer conservadorismo
- E se for de luva branca
Tem maior preciosismo.
Neste social concerto
- Das Farsas primaciais
Mestre Gil faz o acerto
Que é de chorar por mais.
Para bom entendedor
- Uma Farsa é quanto basta,
Bofetada é um mal menor
Que faz arder quem a gasta…
- Se de ralhete em ralhete
Não há melhoria de nada
Para que haja sainete
Só mesmo à bofetada!
Frassino Machado
In RODA-VIVA