UM BORRACHEIRO E A PATINAÇÃO NO GELO

Demá, borracheiro, estava tirando o pneu de um caminhão.

-Meu senhor!

Demá parou e ficou olhando de lado, espantado. Uma voz que chega assim, sabe-se lá de onde. Ele estava segurando a chave de rodas, vestia uma camiseta parda, já preta de graxa e da fuligem que saía dos pneus. Braços grossos e firmes, peito largo. Na camisa estava escrito: “Camilo da Farmácia Para Vereador”, do pleito de 1990 ainda.

-Meu senhor!

Outra vez o chamado. Ele virou-se e deu de cara com um casal bem arrumado, deles vinha um perfume fino e esquisito, um perfume que não seria depurado pelas poderosas narinas de Demá, que já cheiraram de esgoto entupido à fossa à céu aberto. Dava impressão que aquele casal havia saído do banho. Porém as narinas de Demá não conseguiam assimilar a essência daquele odor. O único perfume que elas conheciam era os da Selminha que vendia Avon.

-Sim, pois não. –respondeu ele, no melhor que a educação lhe permitia, -Problemas com pneus?

-Não, meu senhor. –replicou o homem ao lado da mulher, -Minha esposa fez duas lipoaspiração.

Demá ficou coçando a cabeça.

-Ah, meu senhor, queríamos apenas uma informação. Pode nos dizer onde ficar o Champs D”Delizer?

Demá ficou um tempo pensando.

-Champ! –Demá olhou para os dois motoristas de caminhão que estavam ali esperando os seus pneus, como se estivesse pedindo ajuda, -Sei não. Algum de vocês sabem? Será que não é depois da terceira tartaruga?!

-Terceira tartaruga? –a mulher ficou interrogativa.

-É que passando... uma, duas... na terceira tartaruga tem o mercadinho do velho Zuca...

-Mas este lugar que estou falando é francês.

-Francês!? Então é lá em cima perto da padaria do Celso. Passou a padaria tem o japonês que tira foto, passando ele, tem o alemão que é alfaiate, depois tem o italiano que faz queijadinha, passando ele tem o português letreiro, e lá na frente, passando uma escola, tem o francês que faz cestos de bambu, um troço aí que eles falam artesanal, e ele é caolho, usa um tapa-olho. Nós o chamamos de Capitão Gancho.

-Não, acho que não é esse não. –retrucou o homem, -É que vai ter um concerto lá. Eu e minha mulher queremos assistir.

-Ah, conserto? Onde tem conserto direto, você passa lá e só escuta martelada e marretada, é lá na oficina do Dito Francês. Quando ele bebe umas duas garrafas ele costuma mesmo falar tudo enrolado, deve ser francês. Por isso que pusemos apelido nele de Dito Francês. E se eu não me engano para hoje tem o conserto de um Galaxy, de um Corsa e amanhã, de uma Kombi, do seu Fugita que tem uma banca no Ceasa. E pro fim de semana tem o conserto do semi-eixo de um Del Rey. Coisa fina.

Demá trocou olhares com os dois motoristas de caminhão. “Cada doido com sua doideira. Neguinho querendo assistir conserto de carro?! Esse povo rico não tem mais nada o que inventar!”

-O senhor não entendeu. –foi a vez da mulher. –É concerto musical, concerto com instrumentos musicais.

-Ah, sei. Deve ser então o Jean Pierre...

Dessa vez o casal animou-se.

-O Jean Pierre, o Pierrão! Ele conserta viola, violão, guitarra, bateria, outro dia mesmo ele consertou a sanfona do meu pai. Homem bom de conserto de instrumento musical ta ali. Sem falar que ele conserta piano, flauta, bandolim e tuba. Ele aprendeu tudo no Instituto Universal Brasileiro. É um cara cobra. Só que ele fica aqui, pegando a avenida, à direita, na segunda tartaruga...

-Não. Acho que o senhor não entendeu. É um show de patinação.

-Ah, onde tem esse negócio de patinação é lá na subida do Imperador. Quando chove vira um lamaçal só. É tudo carro patinando pra tudo lado.

-Ali! Ali! Ali! –gritou a mulher.

-O que você viu, amorzinho?

Demá fica espantado, a mulher ficou tão eufórica que parecia ter um troço ali mesmo. Demá lembrou da Selminha, a vendedora de perfume tendo um orgasmo.

E a mulher apontava o dedo para um cartaz pregado na parede da borracharia. “Sensacional Patinação No Gelo com o Ballet. Com acompanhamento da Orquestra Champs Elyzer. Dias 15 e 16. Ingressos à venda na sorveteria Ice Berg, no Ponto Marcado Restaurante, na loja da Laurinha, tudo por 1,99 e na borracharia do Demá.

-Mas como o senhor não fala nada! O cartaz está aí pendurado!

-Minha senhora, porque a senhora então não avisou!? Fica falando nesse negócio de concerto, de patinação... Puseram esse troço aí outro dia e falaram memo que dum negócio de patinação no gelo. Ainda eu perguntei pro camarada se ia ter mulher pelada, ele falou que não. Então não sei que graça tem isso.

Leozão Maçaroca
Enviado por Leozão Maçaroca em 25/02/2016
Código do texto: T5554576
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