Como Destruir um Buda!
Sentei-me na minha confortável poltrona, cuja proposital disposição de apoio aos braços e ângulo de assento nos auxilia a ficar na posição de Lótus, a mais adequada à meditação. A minha filha caçula chega estressada, como de hábito, da universidade e passa por mim feito um furacão caribenho deixando um rastro de perfume no ar dizendo como de costume:
- Estou estressada!
Ao mesmo tempo, a filha mais velha desce a escada helicoidal pronta para sair correndo ao trabalho. Levanta também uma fragrância de perfume no ar. Sinto o seu olhar, apesar de encontrar-me com os meus cerrados procurando alcançar o estado meditativo profundo.
- De novo meditando?
A pergunta encerra uma crítica, ao passo que uma sentença.
Deixa-me de lembrança um beijo na testa. Pega a chave do Uno que a primeira deixara e vai para o estágio ganhar a experiência necessária para enfrentar os futuros desafios profissionais. Continuo na posição de Lótus. Minha esposa, na cozinha, trabalha entre panelas preparando para servir o almoço.
- Você pode arrumar a mesa?
Saio da minha passividade e lanço o forro, os pratos e talheres deixando tudo pronto. Em seguida, retorno para minha posição enquanto os pratos são servidos.
- Filha, tá na mesa!
Grita minha esposa da cozinha. A caçula vem do corredor e sinto a ansiedade no seu modo de andar. Percebo seu olhar ao sentar-se:
- Tenho o único pai do mundo que tenta ser um Buda!
Nisso, não posso deixar que me invada uma onda de riso. Abro os olhos e a observo enquanto começa a se servir. Minha esposa traz o último prato e também se acomoda.
- Você não vem?
As perguntas das mulheres da minha casa, em verdade, são sentenças oculta ou ordens.
- Vou viver de Prãna.
Minha esposa vira-se:
- Não será hoje. Fiz carne moída com mandioca.
Sei que o caminho da minha libertação será longo e árduo enquanto não vencer as terríveis tentações da culinária...