Sabia que em Portugal os piropos são crime e dão pena de prisão?


Sabia há muito tempo:

Morava eu na Rua Castilho em Lisboa.
Após o jantar, um amigo telefonou-me para irmos tomar café ao Paladium, ali perto.

Era o ano da graça de 1975.

Fomos calmamente tomar café
(o Paladium não era, na época, muito recomendável a moças de 21 anos, mas o meu amigo era de confiança, calmo e cordato, como adiante se verá).

Vínhamos nós a subir a Avenida da Liberdade, na mesma/minha cidade, conversando, quando um idiota qualquer se ouviu, dizendo isto e aquilo para quem quisesse ouvir.

Fingimos nada escutar, pedi ao meu amigo que se mantivesse calmo,
até encontrarmos um polícia, a quem demos conhecimento da ocorrência.

O caminho seria a esquadra mais próxima, na Praça da Alegria, a minha Lisboa não é triste, tem sorrisos espalhados entre as casas velhinhas.

Mas primeiro que lá chegássemos!

O parvalhão, que estaria bêbado, teve de entrar, com o polícia, em todas as capelinhas,
como chamam às tabernas.

Nós, incluindo o polícia, esperávamos à porta.

Lá saía e nós controlados, que éramos jovens e tínhamos o juízo intacto.

Passámos nisto grande parte da noite até que, vendo a nossa persistência, o polícia lá se resignou a dirigir-se à esquadra, onde apresentei queixa do mal educado, com o meu amigo por testemunha.

O tempo passou até que recebemos notificação para irmos ao julgamento, no Tribunal da Boa Hora.

Cada um disse o que tinha dizer e o juiz decretou  ao réu 30 dias de prisão, ou a pagar uma quantia por cada dia de imerecida liberdade.

O sujeito argumentou que estava apaixonado por mim, que trabalhava no mesmo edifício que eu...

Eu juro que nunca o tinha visto!

Mas quer tivesse visto, quer não tivesse visto, a receita seria a mesma.

Porque há piropos e piropos!

Naquele tempo os rapazes perseguiam literalmente as moças, como se andassem à caça e iam dizendo coisas, tentando puxar conversa...nós mudando de passeio, eles atrás. Nós entrando num lugar público, eles atrás!

Dava cabo dos nervos!

Neste caso valeu-nos, a mim e ao meu amigo (simplesmente amigo!) a estratégia e a perseverança: eu tinha uma credível testemunha!

Eu não sabia se havia ou não havia lei: senti-me perseguida, incomodada, por alguém que não conhecia e segui o meu instinto!




E sim, eles diziam piropos mesmo a mulheres acompanhadas, sobretudo por outra mulher.

Às vezes eram piropos cómicos e fugíamos comprometidas, com vontade de rir....no entanto, passo apressado e rosto fechado!


Nota: A palavra Piropo é um regionalismo de Portugal. Uso: informal. galanteio, elogio (esp. piropo 'certa pedra preciosa; galanteio'),
segundo o dicionário Houaiss
Capelinhas - tabernas
Segundo o artigo 170º do Código Penal,o que está em causa não é um simples galanteio, mas sim as teias espinhosas do assédio, com a confusão conceptual entre sedução e assédio sexual.