A GOTA D’ÁGUA ...DA "SEM NOÇÃO"
Acredito que nenhum brasileiro pelo Brasil afora, ao menos com a mínima consciência que seja sobre a nossa grave crise hídrica, a que também atingiu todo o SUDESTE, não saiba da necessidade de se economizar recursos hídricos em qualquer oportunidade e em qualquer lugar, principalmente agora, em meio à demanda do alto verão e à aridez de todas as regiões do nosso Brasil tropicalíssimo.
Ou melhor, eu acreditava, porque depois da cena verídica que vou lhes relatar , não acredito mais em nada que seja pelo bem do planeta.
Eu caminhava pela orla do mar, aqui duma cidade do litoral sul de São Paulo, cuja preocupação administrativa com os turistas, em época de alta temporada, faz todo o sentido ecológico no chamamento pela economia de água.
Assim, foram espalhados pelas calçadas vários pontos de chuveiros de corpos e de pés, com temporalizador de curto fluxo e um aviso básico de efeito ao entorno deles “desperdício é a gota d’água”.
Claro, achei super legal a iniciativa, afinal, nunca é demais alertar que a água está sumindo, a despeito das chuvas torrenciais que nos inundam.
Paradoxos naturais a parte, lá pelas tantas resolvi tirar a areia dos meus pés andantes.
Coisa simples e para a qual o chuveirinho estaria lá à minha necessidade rápida não fosse uma senhora toda falante com a amiga e que levava sua netinha de quatro aninhos para brincar na praia. Levava mas não cuidava, muito menos alertava para o básico da vida: a água.
Pobre de mim e dos meus pés! Existira um fila virtual...de baldes a ser saqueados e derramados ali, em nome do lúdico infantil.
Fiquei esperando minutos a fio a garotinha desgrudar do chuveirinho, apertar e desapertar o registro já com certa habilidade, convicta de que aquela bela madame, toda descolada nos mais diversos assuntos – tais como “conexão” , “redes sociais”, “Pilates” “novelas”, “cabeleireiros” e demais “ receitas de tudo das globaletes das manhãs globais” , tipo classe média plugada em tudo e sem noção de nada, enfim, percebesse que aquele chuveirinho de pés não era “playground” da sua linda e esperta netinha .
Simples mas difícil, hein?
Fiquei ali torcendo pelo despertar breve daquela "sem noção".
“vovó, me dá o balde, quero brincar de peixinho”- insistia a garota- enchendo mais um balde de água e derramando seu conteúdo no ralo.
Encheu exatos trinta baldinhos e os despejou bem ali, aonde se lia que “desperdício é a gota d’água , eu os contei um a um, só não quantifiquei quantas gotas d’água se foram para aquele peixinho nadador do ralos.
“Gente, até os "peixinhos imaginários" das crianças se vão pelos ductos dos ralos nessa terra desidratada de tudo!”-foi o que ali me passou pelo pensamento.
“Vovó, preciso de mais baldes de água senão meu peixinho vai morrer...ele está seco!”
Claro que sim! O peixinho dela iria morrer e mais o planeta todo também iria, e logo, logo!
Sem dúvida alguma se tratava dum caso urgente de socorro ao ecossistema!
Mas o quê?
Se aquela vó, totalmente sem noção aquífera, sequer olhava para a neta e para o seco peixinho dela, imaginem se iria olhar para os meus pés e para o resto dos pobres peixinhos desidratados do mundo...
E toda educada, mas ainda elegantemente sem noção, assentia com a tragédia ecológica provocada pela neta:
“Claro querida, pegue quanto quiser de água para o seu peixinho, não deixe ele morrer, ok?, quer que a vovó ajude você pegar mais água, quer?”
Eu não acreditava no que via...e ouvia...aquela mulher era a própria "gôta d'água"!
Claro, seria impossível olhar para aquilo tudo, ainda mais minutos e minutos esperando com os pés cheios de areia sob um sol escaldante e não tomar uma atitude transformadora do meio sofrido. O meu, ao menos!
Contei até dez umas dez vezes e respirei fundo...
Então me aproximei da criança e a fitei bem de perto:
“você veio brincar com o meu peixinho, também, não é? Pode brincar, sim! Então tó, põe mais água no meu baldinho e joga aqui no chão pra ele não morrer seco, tá bom?”.
Me desmontei! Seria JUSTO eu a desmancha prazer da menina e do seu peixinho moribundo por água? Ai, que situação...
Bem, a garota me desarmou, a menos do meu propósito salvador da praia.
”Vovó, ela veio brincar com meu peixinho, pega mais um baldinho pra ela, tá! e ajuda a gente a segurar o chuveirinho aberto”.
Um mimo de criança, realmente, super altruísta. Não merecia uma vovó tão egoísticamente sem noção aqüífera planetária...lugar comum pertencente a todos nós...e com quase extintos três quartos de água!
Por um segundo me senti injusta, avarenta, pão -dura frente a tanta água do mundo!
Dei um sorriso e uma discreta “bufada” que acredito ter despertado a ideia da madame sem noção.
”Não querida, você não entendeu, ela veio lavar os pés dela sujos de areia, certo?”.
Uffa! A sem noção , de súbito, se ligou no meio sofrido dos meus pés descalços.
Uma boa ação, tenho que admitir.E a garotinha insistia no pensamento lógico:
“Mas você quer brincar de peixinho com os pés sujos de areia? Não pode assim! Quer lavar seus pés aqui, né?”
Aproveitei o ensejo milagroso e ameacei algo educativo dirigido à vó "sem noção":
”Sim, quero sim, olha, vamos fazer assim: então, me deixa primeiro eu lavar meus pés, antes que o chuveiro seque...porque água acaba um dia, e depois a gente brinca de peixinho com os pés limpos lá no mar, ok?
“vovó , ela disse que o chuveiro vai secar e você me falou que esse chuveiro não seca nunca!” e me olhando começou a chorar em berros de birra: “eu quero brincar no chuverio aberto sem secar, e se você for no mar-olhando pra mim- você vai sujar o meu peixinho de areia e seus pés também, tudo de novo, e meu peixinho vai morrer- né?- se o chuveirinho secar...”. E não parava de chorar...
A vó olhou pra mim fuzilante e-nem acreditei!- finalmente leu meu pensamento indignado e acabou com a festa do chuveirinho desperdiçador de zilhões de gotas dágua do planeta.
“Calma , meu bem, vovó vai salvar seu peixinho, sim!”-como se EU fosse a culpada pelo pexinho seco, pela secura do chuveiro, e por ele estar longe da devida água do mar.
Então, a vó sem noção ainda se despediu da amiga com o chuveiro escorrendo, depois de fornecer uma receita de pudim de leite dos “desencontros das manhãs globais”, jogou fora o último baldinho de água e o mais preocupante: sentenciou o destino hídrico daquele pobre mar:
”vamos querida, vem com a vovó, vamos pegar a água lá da praia”...
E eu fiquei ali...rezando pelo futuro, próximo e tão desafortunado, da água daquele marzão, e claro, contando todos os peixinhos do oceano para não infartar de inconformismo...
Nota: Moral daquela cena da praia:
Educar –compromisso DE TODOS em qualquer oportunidade!-é a arte de multiplicar as básicas noções subliminares, inclusive sobre OS RECURSOS pertencente ao meio de todos.
Sem educação não tem gestão que dê jeito.É só olhar o nosso derredor mais próximo.