NATAL “NÚ COM A MÃO NO BOLSO”

(nunca havia visto nada parecido pelas ruas de Sampa...)

Avenida Cidade Jardim, São Paulo, remota tarde de Sábado sob chuva torrencial.

Ali, a despeito da água vinda dos céus, já se podia enxergar alguns precários indícios das luzes de Natal precocemente acesas pelo comércio cambaleante.

Sob a névoa que caia vinda do fechamento do tempo, então, claramente se percebia que o Natal deste dois mil e quinze, mesmo nos pontos mais favorecidos da cidade e por motivos óbvios, está meio nublado.

Antes conto que a minha cidade denota um cenário eclético de telas intermináveis que se confundem em contrastes urbanos gritantes , antíteses humanísticas que chocam, “vais e vens” infindáveis de caminhos que já poderiam ser subterrâneos há tempos, amontoados campos de obras de duvidosos benefícios à mobilidade urbana e que geram poeira e barulhos de decibéis infernais, telas que nos poluem até as visões aéreas, desesperada arte de rua que toca os sentidos dos porquês, ex-points de glamour comercial abandonados, uma infinidade de ”vende-se e/ou aluga-se”, enfim, um teatro claro do todo rescaldo resultante do abandono do tudo,o que tanto nos entristece a todos.

MAs meu assunto é humor. Será mesmo?

Eu , ali nas proximidades, acabava de sair dum evento de fim de ano, e como de praxe, já famosa por ter nascido sem GPS biológico e a não mais reconhecer os meus caminhos tão costumeiros de anos, saí dum ponto comercial para um simples retorno para uma via rápida (se é que esse adjetivo cabe ao nosso momento sampístico) e me perdi por uma obra recém terminada, dessas que nos levam do “nada a lugar algum”.

Todavia, dessa vez haveria um motivo para errar na vias a me constatar que nada nessa vida é obra do acaso: asssitir uma cena insólita de rua que me faria pensar e escrever uma crônica.

A chuva caía forte e algumas pessoas , inclusive as ditas “madames” das poucas lojas de comércio que ainda existem na região, em especial a dum empório muito famoso, já se recolhiam em seus automóveis trazidos pelos manobristas, outras , nos pontos de ônibus aguardavam pelos coletivos atrasados sob a chuva, outras desviavam dos buracos inundados das calçadas, enfim, a vida corria normalmente até que ali me deparei com uma senhora idosa que, muito assustada, acelerava os passos trôpegos pelo meio fio, tremulando um guarda-chuva nas mãos.

Foi quando também avistei o motivo do susto daquela simpática senhorinha que pretendia correr dali.

Ele, um homem jovem, de fáceis sóbria e tranqüila, talvez uns trinta e dois anos de idade, mulato, duma elegância magra, alto, cabelos bem cortados, passeava tranquilamente “dançando pelado sob a chuva”, apenas tampando os órgãos genitais com as duas mãos. Trazia na cabeça um chapéu Natalino e ali encenava a cena de Natal mais carnal e surreal que pude apreciar na vida.

Pouco o vi de frente e a mim, ali do meu carro com vidro embaçado, aumentei ao máximo a velocidade do meu para-brisa para me ser possível apreciar melhor a beleza generosa das suas nádegas naturalmente bronzeadas e bem contornadas por fartos músculos.

Tive um ímpeto de fotografá-lo mas, no tempo errado e milagrosamente o trânsito andou, e ademais, era ele o dono dos direitos autorais daquele seu corpo artístico que tão brilhantemente encenava a sua arte realística (a nossa, aliás!) pelos caminhos das ruas natalinas.

Bem, abaixei o vidro discretamente para “consolar” o susto da senhorinha e lhe perguntei em alto tom:” “Tudo bem, a senhora viu aquilo?”-ao que ela me respondeu: “sim, vi sim, quer dizer, vi mais ou menos porque eu eu corri dele”.

Hilariante e simbólica cena, concordam?

Quem seria aquele alegre Papai Noel tão descontraído e tão representativo dum tempo “nú com a mão no bolso”?

Possibilidades: Teria sido roubado? Seria um psicopata? Estaria embriagado, drogadito? Estaria com calor?

Seria alguém que fez alguma aposta com amigos?

Queria refrescar o seu tudo...dançando na chuva?

Ou seria ele uma artista que encenava com primor pela arte de rua a nossa realidade absolutamente pelada, carente de propostas e caminhos, mesmo em desanimado clima natalino?

Seria ele o protagonista da Fábula do "rei pelado" em tempos modernos que não mudam nunca?

Se a vida imita a arte, ou ao contrário, ali o tema era outro: era a arte reeditando a si mesma numa nova versão verbal e pontualmente temporal.

Também me lembrei do famoso “ Cantando na Chuva”, o clássico musical com Gene Kelly.

Se, sob a escassa chuva, já não podemos cantar de felicidade, que ao menos dancemos sob o milagre dela, assim como costumeiramente aqui fazemos há tempos, pelo todo dos nossos caminhos sedentos de tudo.

O nosso verbo atual, conjugação "presente ao futuro do pretérito", é o verbo dançar.

Ou dançamos alegremente sob a nossa já tão escassa chuva...ou bem tristemente sob nossos infindáveis lamaçais.

Nossa opção sempre tem um veio de humorística dramaturgia da vida.

Nota: Gostei da cena. Em homenagem ao pelado e divertido Papai-Noel da avenida Cidade Jardim.