COMO EXTERMINAR FORMIGAS
-Ranço, nosso problemas acabaram! Ranço!
Catraca estendeu um papel:
Extermínio de insetos indesejáveis. Procure Ranço e Catraca, os Exterminadores do futuro. Onde gafanhotos gigantes atacarão nosso planeta, e se não fizermos alguma coisa, não teremos escapatória. "Insetos Indesejáveis!? Apareceu um rato na sua casa. Uma barata! Seja lá o que for. Agora tudo isso vai ter fim. Ranço e Catraca. Especialistas em insetos. Telefone -015235468. O telefone da salvação!" Dizia o anúncio que Catraca colocou no jornal, na ansiedade de aplacar essa fase financeira deficitária que estariam atravessando. A coisa estava tão feia que outro dia o vizinho pegou Catraca em cima de uma bananeira tentando apanhar uma banana para saciar a sua fome.
Ficou meio religioso. Disse Ranço. -O telefone da salvação!?
Ranço, entenda uma coisa que quero deixar clara: temos que mostrar para o ser humano que nada está perdido. A humanidade não pode viver à mercê de insetos. Parasitas indecentes que precisam ser eliminados.
Não sei se isso vai dar certo.
Rancinho, confie em mim.
Tenho medo.
Confie em mim.
O tempo passava. Um dia, dois dias, três dias. Uma semana. Um mês. O telefone mudo. Ninguém chamava. O telefone mudo, completamente mudo. Nem uma chamada, nenhuma. Nadinha. Mudo, terrivelmente mudo. Inerte, sem vida, no deserto, solitário em cima da mesinha a um canto da sala. Mudo. Torrencialmente mudo. Completamente mudo. Mudinho da Silva. Mudico mudico. Mudo, mudinho, mudão. Mudo. Mudinho de pedra. Frio, friamente mudo. Execravelmente mudo. Sem nenhuma reação. Mudo. Mudo, mudiquin. Um milhão de vezes mudo. Mudo tipo assim mudo mesmo. Mudo ao quadrado. Mudo de mudez muda. Mudo e ponto.
Catraca.
Ranço, espere. Ele vai tocar.
O telefone mudo. Mudico, mudiquim. Mudo. Mudão. mudo.
Catraca.
Ranço, não seja precipitado.
O telefone está mudo, sem palavras. Parado, estático. Mudo, mudinho, mudão.
Quando... Ele finalmente toca.
Catraca e Ranço se precipitam em cima do telefone.
É meu!
É meu!
Lutaram, rolaram pelo chão. A luta foi intensa, feroz. Confronto de gladiadores. Luta jamais vista. Pés, mãos, narizes, pescoços, tudo podia ser alvo, tudo era permitido. Pé na cara, sovaco no cangote, garras em orelhas. Cotovelo no fígado. Gravatas e todo tipo de assessórios: tesoura voadora, tesoura fechada, tesoura egípcia, tesoura chinesa, corrente viking, lipoaspiração (âhn?), cruzado inglês, chute tailandês, espreme bucho, salta olho, saca-rolha no nariz, mata-piolho, e aperta boi.
Até que Catraca ergueu vencedor. O telefone em sua mão.
Ofegante, quase perdendo o fôlego, atende o pedido –Sim?
Espera um instante antes de responder, sua cara é pura indignação. –Se aqui é Zezé Manicure!? Sabe onde fica a Zezé Manicure? Sabe onde fica?
Ranço interviu. –Pára com isso, cara! Olha a educação, cara! Chega, cara.
Até que um dia surgiu um chamado. Finalmente iriam colocar seus dons em prática. Formigas numa mansão.
Ranço e Catraca prepararam tudo no carro. Inseticida, instrumentos de escavação, e todo tipo de ferramenta necessária.
Em menos de 10 minutos no local marcado.
Ranço e Catraca localizaram o formigueiro. Bem no jardim. Eram enormes, vermelhas. Cabeçudas. De grande pernas e potentes tenazes torqueses que davam a impressão de garras de um morador de outro mundo como vemos nos filmes. Catraca disse que poria o seu plano em ação.
Naquele dia havia uma festinha de família na mansão. O pessoal se divertia.
O formigueiro era bem organizado. As formigas são insetos sociáveis. Catraca havia até uma tese sobre “sociologia formigável”, prontamente combatida por Ranço.
Temos de exterminar as formigas e não estuda-las.
Havia até uma malha viária, caminhos, que davam a impressão de estradas que partiam para diversas direções. Praticamente um verdadeiro trânsito, Catraca até sugeriu que deveriam ter uma espécie de Detran ou algum órgão formigável que cuidasse dessa parte. Observava que haviam formigas maiores, que cuidavam do entra-e-sai da operárias no formigueiro, provavelmente guardas de trânsito para efetuarem multas e autuações àquelas formigas que não respeitarem as leis.
Como vamos acabar com isso?
Catraca saiu correndo.
-Ei, onde, vai?
O infeliz devia ter fugido diante do inesperado. Nunca haviam se deparado com coisa daquelas. Catraca, como sempre, abandonou o obstáculo, se mostrando um verdadeiro covarde.
Mas apareceu daí uns minutos. Empurrava um carrinho com um pesado cilindro.
-O que é isso?
-Ranço, é um compressor de ar.
-Pra que?
-Já vai ver.
Parou o carrinho próximo do formigueiro. Desenrolou uma mangueira alaranjada, e enfiou no orifício do formigueiro.
-Catraca, não sei não.
-Ranço, não me julgue antes de estudar os argumentos.
Deu partida no motor do compressor. To-tó-tó-tó-tó-tó-tó-tó-tó-tó. Catraca acelerou o motor, mais, acelerou mais. A mangueira alaranjada estufou, mandando ar para dentro do formigueiro. A mangueira estufou mais, encontrara resistência. Estufou mais. A grama do jardim começou a estufar pra cima.
-Catraca!
-Espera. Ranço, está quase dando certo. Só um pouquinho mais.
-Catraca.
-Ranço, espera antes de falar.
A grama do jardim estufando. Estufando mais, como se algo no subterrâneo do jardim procurasse eclodir.
Foi uma explosão. Terra voou pra todo lado. Um couro velho de um cachorro morto, enterrado no jardim voou pelos ares, foi arremessado e caiu bem na cabeça da dona da casa que servia quitutes para os convidados da festa. As mulheres fugiram gritando.
O pai da dona da casa, seo Napoleão, estava sentado no vaso sanitário, vez em quando sofria de prisão de ventre, estava sentado esperando. Quando um estrondo veio por debaixo do solo, rasgando as entranhas da terra. Um ronco que vinha ganhando vida. Seo Napoleão arqueou as sobrancelhas:
-Meu Jesus, será que estou tão mal assim!
Uma estupenda pressão que vinha dos subterrâneos da mansão, procurando por fuga. Encontrou o vaso sanitário onde seo Napoleão estava sentado. O estouro pareceu a ignição de vários motores de um foguete. O vaso sanitário foi lançado dentro da piscina onde as garotas se esbaldavam. A ceroula do seo Napoleão caiu bem sobre as carnes assando na churrasqueira.
-Onde estão aqueles exterminadores de formigas!? –a dona da casa queria fulminar Ranço e Catraca. Esmiúça-los com as próprias mãos.
Terminou a empresa “Exterminadores do Futuro."