DO IRREVOGÁVEL AO ILEGÍTIMO
“Dos impagáveis farsantes”
Desde sempre todo o cortesão,
Que da vil Corte faz tribuna
Anestesiado pelo poder,
Vulgariza a sua ostentação
Não tendo vergonha nenhuma
Ousando lá permanecer
Ajaezado de presunção…
O comediante é farsante!
Na convicção de fazer parte
Das inveteradas sumidades
Engendra planos presunçosos,
Todavia, com engenho e arte,
Faz finca-pé com inverdades
Usando truques habilidosos
E a vaidade como estandarte.
O comediante é farsante!
Mas, num dia inimaginável,
Por excessiva aberração
Sente o poder evaporar-se
Num labirinto incalculável
E vai daí, pelo sim pelo não,
Intenta reorganizar-se
Numa máscara irrevogável.
O comediante é farsante!
Ao conseguir os seus intentos,
Entre brumas de nevoeiro,
Faz-se uma fénix renascida
Com ficção e falsos talentos
Pra conseguir de corpo inteiro
Tirar dividendos da vida
Gozando seus investimentos.
O comediante é farsante!
Chegou, porém, dia azarado
Em que “tudo o vento levou”
E um outro poder ressurgiu,
E o cortesão pior que ´stragado
A toalha ao chão não deitou,
Quem o vê assim e quem o viu,
Vestiu-se de actor mascarado.
O comediante é farsante!
Perante o poder emergente
A auréola esvaiu-se no íntimo
Assumindo-se comediante
De nova peça refulgente
Denunciando como ilegítimo,
Num tom requintado e farsante,
O acordo engendrado p´ la gente.
O comediante é farsante!
Assim vai a nossa República
Que no outrora já foi viçosa
De virtudes recomendadas
Que o tal cortesão prejudica,
Mas, enfim, co´ a alma generosa
Atura estas melgas tramadas
E da boa-fé não abdica.
O comediante é farsante!
Não vale a pena retorquir
O que nasce torto, torto é,
E não se pode regenerar,
O melhor é deixar cair
E não fazer mais finca-pé
Pois que o tempo há-de curar
O que agora só dá para rir!
O comediante é farsante!
Frassino Machado
In ODIRONIAS