-DOUTOR, SÓ PEGO NO TRANCO!
Dia corrido, agitado, e lá pelas tantas chegou o seu SETEMBRINO para aliviar as tensões.
Percebi que o doutor João, já meio cansado da guerra, sinceramente se encantou com aquele nome, encheu os peitos para poder chamar, com todo vigor, o seu paciente ali naquele nada ecológico corredor de espera e eu ouvi perfeitamente quando pediu licença ao simpático senhor para poder discorrer, não só sobre o fabuloso nome dele, como também sobre a sua queixa didática e de imensa utilidade em saúde pública.
"Fica a vontade doutor, pode contar meu nome e meu causo!".
Então...
"Senhor Setembrino!"-chamou o doutor.
E todo o corredor, que falava que nem matraca, imediatamente ficou em silêncio ao ouvir o tal nome e a se encher de curiosidade para ver entrar Setembro...em pleno outubro, já quase novembro.
Setembrino realmente é um nome bem diferente, e convenhamos, nenhum nome seria mais ecológico que esse em tempos de tantas adversidades nas estações.
Talvez (eu senti) o doutor João estivesse mais interessado na origem do nome do Setembrino do que na queixa INUSITADA e preocupante do seu paciente.
De vez em quando aparecem nomes bem diferentes por ali, doutor João tem mania de colecionar nomes estranhos, mas Setembrino...era diferente demais, não passaria batido para o doutor João que aprecia curiosidades regionais. Era de fato, qual uma jóia rara para a sua lista.
O último nome bem diferente que eu me lembro ter passado por ali foi HOLERITA, que irritou doutor João porque lhe lembrou " holerit". Lembro que comentou algo assim...com toda permissão da dona do nome.
E a história prosseguiu:
"Por que tem esse nome, senhor Setembrino, me fala um pouco sobre?" lhe perguntou o doutor.
"Claro, meu nome é meu orgulho, doutor! Sempre falo dele para quem quiser saber. É que eu nasci no mês do início da primavera, uma homenagem da mãe, doutor, que adorava flores e recebeu um milagre das rosinhas de Santa Teresinha quando eu quase morri de parto sentado!" -respondeu o Setembrino todo cheio de si.
"Sou um homem salvo pelas flores da santa, doutor".
Aquilo era divinalmente primaveril, como o doutor João aprecia.
Nada mais poético para um mundo que tanto demanda por flores...se deparar com a simpatia contagiante dum Setembrino , ainda mais com as cores das rosinhas de Santa Terezinha, de quem doutor João é devoto .
Aquilo para o doutor João só podia ser um aviso...
E logo viu que era mesmo: a queixa do Setembrino era mais inacreditável e preocupante que o seu nome florido, e doutor João torceu o nariz quando ouviu a seguinte descrição: " é que, sabe doutor, tenho um treco estranho, de noite, logo que adormeço, sinto um tranco nas veias aqui do pescoço e queima tudo aqui por dentro, um fogaréu danado me sobe, (apontando os maxilares), eu dou uma engripada, sufoco a respiração... mas logo dou dois socos no peito bem forte, como vi lá na televisão...me ressuscito e logo pego no tranco! O senhor acha que tenho algum problema?".
Bem, aquela queixa não era nada flores de Setembro:era um claríssimo aviso de Santa Teresinha...só podia de ser.
Com um maço de cigarros no bolso e diabético, Setembrino foi avisado do perigo que corria quanto ao seu coração, ilustrado com o aviso da Santa, intimado a parar de fumar, medicado e encaminhado para os exames especializados.
Setembrino não fazia ideia do quanto o cigarro potencializa as doenças vasculares principalmente em quem tem diabetes e parecia bem relutante em abandonar seu vício de quarenta anos.
Doutor João, então, apelou para a poesia das flores de Setembro:
"Setembrino, se o senhor não parar o cigarro, correrá o risco de engripar de vez e abreviar seus próximos setembros, ok?"
"Mas doutor, eu juro que pego no tranco!"
"Nada disso, o senhor pode muito bem "não pegar mais no tranco" qualquer hora dessa, entendeu? É seu coração engripado, isso sim! E vai ter que prestar conta para Santa das flores que te fez viver! É o cigarro seu Setembrino, esse é seu mal. Cigarro não combina com flores, muito menos com diabetes, a não ser que...que o senhor reze para que um milagre de Santa Terezinha lhe aconteça, senão...o jardim será outro, eu não sou milagreiro seu Setembrino."
Setembrino, então, entendeu perfeitamente em qual "outro" jardim de flores o doutor se referia...
"Tá certo doutor...vou parar, mais uma vez com a ajuda das rosinhas da Santa!"
Então, como num milagre a jato, desprezou os cigarros ali mesmo no cesto e resolveu ir em busca de viver todas as primaveras às quais ainda tem por legítimo direito, conquanto não acenda mais um cigarro sequer!
E lá se foi seu Setembrino espalhar suas próximas primaveras de vida sob o milagre do perfume das flores de Santa Teresinha.
Afinal, sempre é preciso se tocar a essência da vida de cada flor.
Nota: Verídico