O ESPETÁCULO DÁ VIDA - capítulo VIII
UM CASACO DE PELE
O espetáculo daquela noite havia sido tão bom e os artistas tinham arrecardado tanto dinheiro que podiam imaginar como seria o próximo espetáculo e como Lorde ficaria feliz por isso, pois eles não haviam esquecido que tooo o dinheiro seiria somente para a cirurgia da filha do mágico, mesmo que numa hora ou outra Richard fosse pedir dinheiro para recarregar o celular ou Lilie precisasse de novas sapatilhas.
- Nossa, já temos um bom dinheiro! - disse a gorda, vendo o bolo de notas que seu Italiano juntava na mesinha.
- É verdade - disse feliz, seu Italiano.
- Posso comprar um casaco de pele?
- Claro! Digo, nâo! Você sabe que esse dinheiro é para...
- Tá, eu já sei - ela desdenhou -, para a cirurgia da menina. Mas, cem reais a menos não vai fazer falta...
- Deixe disso! Demos nossa palavra a Lorde e vamos cumpri-la!
- Então, que tal só um par de brincos?
- Quanto custa?
- Somente cinquentinha - disse a gorda, separando uma nota de cinquenta.
- Não! - exclamou Italiano e tomou a nota da gorda - só se for de seis reais.
- Esqueça.
A gorda saiu chateada do trailer e Gage se aproximou de seu Italiano, porque notou sua frustração.
- Não ligue pro que ela diz - falou Gage -, nós vamos entregar o dinheiro nas mãos de Lorde, assim como combinamos.
- Eu queria poder dar um casaco para ela - falava o dono do circo -, mas sei, posso imaginar como Lorde está sofrendo... E se um casaco de pele pudesse salvar a vida de sua filha, eu o daria, nem que custasse tudo o que temos.
DIGA
Lilie brincava com Pulguento ao lado do circo, onde havia uma árvore que dava muita sombra e um tronco partido que servia para sentar. Gage viu de longe a bailarina e correu para lá, apanhou um gravetinho e mostrou ao cachorro, os olhos do bichinho brilharam e Gage lançou o graveto o mais longe que pode, para ficar a sós com Lilie.
- Bom dia, bela bailarina - disse Gage, sentando ao lado dela.
Lilie sorriu para ele.
- Sabe, você dançou muito bem ontem! Já eu... Fui ridículo.
Lilie sorriu novamente.
- Eu fui, né? Não, pode falar! Eu sei que fui um palhaço.
Lilie meneou negativamente a cabeça e disse algo com as mãos, mas Gage não entendia, no que ele avistou Richard lá do outro lado e, desesperadamente, balançando os braços no alto, o chamou.
- Ei! Richard! - gritava Gage, porém, Richard fingia que não estava o vendo e nem ouvindo - ei! Ei!
O rapaz entrou ligeiramente no trailer, desprezando Gage.
- Droga... Já sei! Espere aí, Lilie! - Gage falou e correu para o circo, voltou com uma folha em branco e um lápis nas mãos - tome, escreva aí o que quer me dizer.
Lilie pegou o papel e caneta e começou a escrever. Ela entregou o papel a Gage e ele leu: "você não foi ridículo, mas foi muito engraçado!
- Fui, fui ridículo sim...
Lilie escreveu algo novo: "gostei muito quando me fez girar e girar..." Gage fitou os belos olhos de Lilie e respirou fundo, como se passasse mal.
- Lilie, eu... Preciso te dizer uma coisa - falou ele e a bailarina chegou mais perto -, posso dizer?
Lilie assentiu.
- Não... Acho melhor não.
Lilie escreveu: "diga!"
- Humm... Está bem - Gage tocou com a mão o rosto de Lilie e chegou bem juntinho de seus olhos, tão junto que parecia que ia entrar neles -, eu... Gosto de você.
A bailarina sorriu para Gage e escreveu: "eu também gosto de você.
- Mas, o meu gostar é... Diferente - ele falou.
Lilie recuou um pouco o rosto e olhou estranhamente para Gage. "como assim?" ela escreveu.
- Bom... Como posso dizer? Como quando uma pessoa ver a outra e o seu coração salta pela boca, feito Michael no trampolim. Como quando você ver alguém e quer sempre vê-la feliz, quer sempre vê-la. Como alguém que quer ter alguém... E quer beijar sua boca, entende, Lilie?
Naquele instante, a bailarina perdeu os movimentos, como antes perdera a voz e ficou pasma, espantada. Não quis escrever nada mais, porque não sabia o que dizer... Esperou que Gage algo fizesse, ele, por sua vez, a beijou, a beijou com todo seu amor, sentiu uma alegria nascer em seu peito e o céu mudar de cor constantemente, do azul para o rosa, do rosa para o laranja, do laranja para o anil e assim sucessivamente. Quando o beijo acabou, Gage abriu os olhos e Lilie também, Gage sorriu, com medo... Mas Lilie sorriu com amor... E escreveu para ele: "eu sempre esperei por isso."
NÃO SEI
As gêmeas treinavam seus números no trapézio e seu Italiano prestava atenção nelas, sempre as orientando e dando instruções para que não passassem por outras situações como quando a gêmea perdeu a força e não conseguiu se balançar no trapézio. E enquanto enrolava seu bigode italiano, seu Italiano viu entrar no picadeiro um menino pequenino e pobre e foi lá falar com ele.
- Olá, meu garoto - disse o dono do circo -, o que procura?
- Eu posso entrar pro circo? - perguntou o menino.
- Bom... Quantos anos você tem?
O menino contou nos dedos e, dificultosamente, mostrou seis dedos.
- Oito - ele respondeu.
- Humm... E o que você sabe fazer de incrível?
- Não sei.
- Como não sabe? Se quer entrar para o circo é porque sabe fazes alguma coisa interessante!
O menino emudeceu.
- Humm... Sabe fazer malabarismo? - Italiano perguntou.
- Não sei - disse o menino.
- Sabe contar piadas?
- Não sei.
- Plantar bananeira? Dar cambalhotas? Cuspir fogo?
- Não sei.
- Então, o que você faz?
- Eu sei cantar uma música que a minha mãe me ensinou.
- E como é?
E o menino começou a cantar:
"Fiz lembrar, fiz lembrar
De tudo o que esqueceu
Fiz lembrar, fiz lembrar
E de nada lembrei eu
Nem dos campos
Nem das flores
Nem do lugar que eu deixei
Nem do beijo
Nem do abraço
Que um dia eu ganhei
Nem dos campos
Nem das..."
Seu Italiano interrompeu o menino e coçou a cabeça, soprando um ar de tédio.
- Só sabe fazer isso? - perguntou seu Italiano e o menino assentiu - está bem... Pode entrar no circo.
- Eba! - gritou o menino, que correu aos pulos.
- Ei! Espere aí! - gritou seu Italiano, segurando a mão do menino - vamos, vou te apresentar aos outros.
Seu Italiano chamou todos os artistas, inclusive o cachorro Pulguento e apresentou-lhes o menino.
- Pessoal, esse menino quer entrar para o circo - disse seu Italiano.
- Olá, rapazinho! - falou Gage, bagunçando os cabelos do menino - como você se chama?
- Não sei - disse o menino.
- Humm... Isso é um problema - Gage falou -, temos que dar um nome à ele...
- Não Sei - falou seu Italiano -, é assim que vai se chamar.
- Não Sei? Não creio que seja um bom nome - disse, com estranheza, Gage -, bom, Não Sei, o que você sabe fazer?
- Não sei - respondeu o menino.
- Está vendo? - falou Italiano - Não Sei, mostre para eles sua canção.
O menino pequenino não deu mole e se punha a cantar outra vez:
"Fiz lem..."
Seu Italiano puxou o menino e pediu para ele se calar.
- Viram? - disse Italiano - agora, Não Sei, sente-se ali e ensaie sua música.
O menino sentou-se na arquibancada e ficou quieto.
- Acha que vão prestar atenção nele? - perguntou Clarita.
- Ele não vai se apresentar - disse seu Italiano -, talvez só cante uma estrofe, ou... Um verso, ou... Uma palavra.
Continua...