Enterro Praiano

O lugar era São Pedro da Aldeia, e eu estava na casa de praia de uns amigos.

Eles tinham a mania de visitar todo mundo da cidade. Nessa história de visita aqui, visita lá, terminamos indo à casa de alguém que me impressionou, porque só se podia chegar lá pela praia.

- Pensa só: Chega-se, de automóvel, ao final de uma rua qualquer. Daí você salta, e vai para a praia. De roupa, sapatos, tudo normal. Sai andando pela areia, um bom trecho, e depois volta, entrando por uma ruazinha, meio viela, meio escadaria, com casas em ambos os lados. Sobe um pouco na ladeira e pumba, estamos na porta da pessoa.

- Já pensou num enterro saindo daquela casa?

- Lá vai o cortejo andando pela praia...

João e Dagoberto conversam. João é quem começa:

- Vamos dar um banho no falecido. Capaz que ele gostasse...

- Tá maluco? Olha o respeito com a viúva!

- Tô falando sério. Ainda tem sol. Tenho certeza que ele ia gostar!

- Porra, segura melhor este caixão que não estou mais aguentando o meu lado.

- Ele ia gostar sim. Ser enterrado já temperado, todo cheio de sal. Tô sabendo que morreu de cara cheia. Um banho ia fazer bem.

- Panaca! Dá um engov pro falecido! Quá, quá, quá!

- Leva a sério! Acho que vou dar um banho de praia nele. Será que a viúva botou uma sunga no saudoso?

- Hehehe! Já pensou se a gente perde o defunto?

- Já pensou esse cortejo na delegacia dizendo que o defunto se afogou?

- Esta alça está uma merda! E meu sapato já encheu de areia. Porque é que o bebum tinha que morar aqui? Será que não dava prá morrer no bar?

- Será que morreu com uma ereção? A viúva não explicou direito como é que o defunto faleceu. Vai ver, estavam trepando...

- Depois da cerveja toda que bebeu? Tá doido?

- Nossa, Cara! Olha a viúva ali na frente: É boa prá burro!

-Pôxa, a minha alça também está me machucando. Vamos propor um descanço?

- Ei, pessoal, vamos dar uma paradinha?

Rostos suarentos olham meio assim, meio assado, mas os nossos heróis já vão baixando o esquife. Tudo bem, ninguém é de ferro, e foi o próprio desinfeliz que resolveu morar naquele lugar de merda...

Com todo mundo sentado na areia à volta do saudoso, aparece logo uma garrafa "daquelas", manja? Manja aquelas do alambique do Diabo? Pois é, daquelas. Todo mundo em silêncio, e a pinga começa a girar. Na boca da garrafa mesmo, afinal pinga é alcool, e é desinfetada por natureza.

Alguém começa a lembrar do saudoso. Não tinha muito o que dizer. Era bom de bar e gostava duma neguinha. É claro que a primeira parte foi falada, e a segunda cochichada. Mas era bom de bar. Era daqueles assíduos e pontuais – chegava à tal hora e saia à tal hora - pontualíssimo. Difícil falar mais alguma coisa do falecido. Difícil mesmo, portanto o assunto logo morre.

Para falar a verdade, era desses caras que uma semana depois ninguém mais ia sentir falta. Que merda, hem?

- Das quinze pessoas que compunham o cortejo, a metade já tinha sumido no caminho. Já tinham esquecido do cara...

Quinze não, dezesseis. Senão a conta não dá certo. Ou melhor, quatorze, para a estória andar mais rápido.

Some mais um casal, que era daqueles vizinhos que não davam a menor bola pro cara, mas eram muito cônscios da tal da solidariedade. Mas só até certo ponto, como se vê. E a pinga continua a rolar. A viúva bebendo de golada...

Dali a pouco, somem os outros dois caras que também carregavam o caixão, e sobram só os nossos dois heróis e a viúva. Já nem estavam dando muito pela coisa. O João se levanta e vai dar uma mijada. Não vai muito longe prá não cansar. Nem fica de costas, não é discreto. Dagoberto tá de olho na viúva, e saca que ela está mirando o trem do João. Se levanta, e vai mijar junto.

- Cara, a viúva está olhando pro seu treco!

- Uai, se ela gosta...

- É a viúva, cara! Respeita!

- Qualé! Bota o seu piupiu prá fora, e vê se ela também não olha!

Dito e feito. Só que com essa conversa, o pinto do Dagoberto já sai duro e têso de quebrar. Xixi, necas. E tá que tenta, e fica vermelho, mas só sai uns pinguinhos.

A viúva ri. E se remexe. Deu também vontade de mijar. Fazer o que, né? Levanta as saias, puxa a calcinha e começa.

João e Dagoberto, pasmos.

O defunto, coitado, quieto...

Fez aquela espuminha na areia. Os heróis vêm ver. A viúva tá orgulhosa da mijada.

Aliás, acho que estava era com tesão, porque não puxou a calcinha de volta. Em vez disso, tirou-a.

- Desculpa. Tava incomodando. Vou guardar no caixão. Acho que o falecido vai gostar de ir desta para a melhor com uma lembrança minha.

Vai lá, destrava o caixão, olha para o defunto, suspira, e coloca a calcinha na cara dele. Todo mundo ri. Caixão fechado de novo, dá aquela vontade de tomar um banho de mar. Mas como?

O sol já estava caindo, e tinham parado num trecho da praia em frente a um matão, sem ninguém. A viúva dá o exemplo. Tira a roupa toda e vai correndo para o mar. Dagoberto está meio grilado:

- Sacrilégio. Sacrilégio! Isso tá virando uma sacanagem!

- Qualé, responde João. Tudo no maior respeito! O defunto era liberado, você não sabia? Sempre defendeu o nudismo!

- No maior respeito, mas tu ainda tá de pinto prá fora, e tá arretado!

- Tu também, seu hipócrita! Vamos tirar a roupa e esfriar dentro d'água.

- Tô sabendo. Tô entendendo tudo.

- Vai ou não vai?

- Vou. Também sou gente...

Bem, os entretantos você pode imaginar. Mas você sabe o que é maré? Eu também. E eles também. Só que ninguém se tocou que se a maré desce, ela sobe também...

Imagina quando voltaram daquela sacanagem toda dentro dágua. Cadê o defunto?

-Lá vai o barquinho...

Como já tinham se apetecido na viúva, como já não havia mais caixão, João e Dagoberto prestaram os seus respeitos e se mandaram.

A viúva...

Bem, a viúva?

- Não tinha mais defunto. Não tinha mais calcinha. E, afinal de contas, um enterro no mar era o melhor que o saudoso poderia querer. E, quer saber, nunca mais ninguém se tocou no que deu a coisa.

Assim, a consequência do "causo" todo foi nenhuma, a não ser o fato de que a viúva nunca mais usou calcinha, e pegou mania de fazer xixi na praia...