O ESPETÁCULO DÁ VIDA - capítulo V
NÃO TEVE GRAÇA
No final de tudo, como sempre, seu Italiano contou o dinheiro daquela noite...
- Ganhamos um pouco mais - ele disse.
- Eu falei - dizia a gorda -, o povo aqui tem dinheiro, querido!
- Apesar de ser bem insuportável.
- Concordo - falou o palhaço, desmanchando a maquiagem -, não acharam graça em nada!
- E o que você queria? - perguntou a gorda - aquelas suas piadas são as mais velhas e sem graça que eu já vi!
- As minhas piadas não são velhas!
- Mas são sem graça.
- Não é verdade... A Lilie gosta das minhas piadas - falou Gage, fitando a bailarina -, não é, Lilie?
A bailarina sorriu para o palhaço e a gorda também riu.
- A sua sorte, Gage, é que ela é muda - dizia a gorda -, senão, ela diria o que pensa das suas piadinhas sem graça.
- Sorte? Você chama isso de sorte? - perguntou Gage - eu daria tudo para ouvir a voz dela me dizer algo! Nem que fosse...
- Gage, suas piadas são horríveis! - brincou a gorda.
- Ha, ha, ha... Não teve graça.
SE VOCÊ TEM QUE IR
O dia nasceu e todos do circo ainda dormiam. Porém, já no frio da manhãzinha, Lorde, sentado sobre a cama, conversava ao celular com sua esposa...
- Então ela piorou? - perguntava Lorde, aflito - Hummm... Eu sei, eu sei! Mas, precisamos ter fé em Deus, Suzana! Vamos conseguir a cirurgia para nossa filha! O pessoal aqui do circo está propondo nos ajudar a conseguir o dinheiro e... Tá, eu sei que ganhamos muito pouco, mas eles estão fazendo tudo o que podem!
De repente, seu Italiano ouviu os murmúrios de Lorde e levantou da cama, ficou escondido por detrás da tenda a ouvir a conversa.
- É, eu pensei nisso - dizia Lorde -, mas tenho medo que eles... Sei lá, que... Que não aceitem a minha saída do circo, já que meu número é um dos mais importantes aqui!... O quê? Claro! Claro que minha filha é importante para mim!
Depois disso, Lorde ouviu a ligação ser encerrada do outro lado da linha e soprou um ar de angústia. Seu Italiano entrou devagar na tenda, chamando a atenção do mágico.
- Se você tem que ir, Lorde - dizia Italiano -, eu entendo. Não quero que pense que não me importo com a situação, além do mais, sua filha deve estar desejando muito ter o pai por perto nesse momento.
- Obrigado, Italiano - disse Lorde, com um sorriso curto -, eu preciso muito ver minha menininha. Suzana disse que ela tem piorado.
- Então não perca tempo! Pode ir e não se preocupe, vai ser fácil encontrar um mágico melhor que você - Italiano disse com graça.
- Ha! Ha! Claro.
Assim, o mágico arrumou suas coisas e se despediu de todos, deixando-os tristes.
- Não chore - falou Lorde para os artistas -, eu sei que vocês me amam e não sabem viver sem mim!
- Ah, já ia me esquecendo! - disse seu Italiano, correndo para o trailer e buscando a caixinha de economias do circo e retirando o dinheiro - tome, é tudo o que conseguimos até hoje.
- Ora, não precisava, amigo... Mas eu aceito!
- Com certeza ainda não é o suficiente, mas assim que conseguirmos o restante...
- Obrigado, vocês são pessoas fantásticas! Seus corações são tão grandes que nem o maior dos maiores mágicos, que sou eu, claro, conseguiria transformá-los em pequeninas formiguinhas!
Então Lorde entrou na caminhonete e ligou o motor. Olhou para o lado e observou por alguns segundos aquelas pessoas que eram tão especiais para ele e depois fitou as cores fascinantes do circo, lembrou dos lápis coloridos de cera que ele usava para desenhar quando criança. Pegou sua câmera e tirou uma foto daquele cenário e acenando pela última vez... Lorde se foi pela estrada.
- Agora que Lorde se foi - dizia Gage, desanimado -, como faremos mágica?
- Eu não sei, Gage - falou seu Italiano -, isso foi uma coisa que ele esqueceu de dizer, antes de nos deixar.
AS PESSOAS QUEREM MÁGICA
Naquela noite, enquanto recebia os ingressos, seu Italiano era obrigado a ouvir os comentários chatos das pessoas e como se não bastasse, veio-lhe um homem, com um ooriiso de orelha a orelha e soprando ar de alegria.
- Eu não sei por que - dizia o homem -, mas hoje vim com uma vontade de assistir mágica!
Seu Italiano fitou o homem e coçou a cabeça. Foi então falar com Gage, que estava vendeddo os ingressos.
- E agora, Gage? - disse ele - as pessoas querem mágica!
- Então vamos dar mágica a elas! - falou o palhaço.
- Mas como, se não temos mágico? Ou você esqueceu que o Lorde foi embora?
- Eu posso ser o mágico dessa noite.
- Você? E por acaso você sabe fazer mágica?
- Não, mas eu aprendo!
Seu Italiano deu um suspiro e revirou os olhos, fitando as pessoas que passavam por ele, sorridentes e ansiosas.
- Está bem - ele disse -, mas cuidado para não estragar o espetáculo.
- Sim, senhor!
É FALSA!
As luzes iluminaram o centro do picadeiro e seu Italiano entrou, dando início ao espetáculo.
- Senhoras e senhores, meninas e meninos! Vocês estão prontos para a diversão? Porque é hora de rir bastan...
De repente, alguém gritou da platéia:
- É o mágico que vem?
- Hã... Não - respondeu seu Italiano.
- Ah.
- Bom... Ele, que faz a gente rir de se acabar... Ele, que fede mais que um gambá... Gage, o palhaço!
Gage entrou pedindo palmas, mas quem disse que o povo aplaudiu? Então o palhaço tentou animar o público com seu malabarismo todo atrapalhado e suas piadas infames, porém, de nada adiantou. Quando Gage saiu do picadeiro, seu Italiano chamou o próximo número.
- Agora... Para você que cansou de ver sempre a mesma coisa...
E alguém na arquibancada gritou:
- Agora sim é o mágico!
- Não! Não é o mágico! - ralhou Italiano, mas logo encolheu os ombros e sorriu - hehe... Mas vocês vão se surpreender com ela, a mais cabeluda, a mais rechonchuda... Gorda, a mulher barbuda!
O público desanimou e a gorda entrou, com sua barba comprida e ainda por cima falsa.
- Mas o que é isso? - perguntou seu Italiano, como quem estivesse surpreso - será que ela é um homem?
- Não, é o lobisomem! - gritou o palhaço e não se ouviu risos.
- É uma barba e tanto!
Ouviu-se comentários na arquibancada...
- De longe dá para notar ser falsa - disse uma mulher.
Um homem levantou-se no meio da platéia e ergueu o braço.
- Se me permite - disse o homem para o dono do circo -, eu gostaria de ver a barba de perto.
- É... É claro! - falou seu Italiano.
O homem saiu da arquibancada e foi para o centro do circo. Ele se aproximou da gorda e começou a observar a barba fajuta. Observou e observou... Até que deu um puxão tão forte na barba da gorda, que a arrancou junto com alguns cravos do rosto da mulher.
- É falsa! - gritou o homem e o público começou a vaiar os artistas.
A gorda pegou brutalmente a barba falsa das mãos do homem e saiu, furiosa, do picadeiro. Seu Italiano sorriu envergonhado e tentou acalmar o pessoal, sem sucesso. Teve gente que começou a jogar balas e latinhas no meio do circo, deixando seu Italiano irritado.
- Parem! Parem com isso! - ele gritou - vocês deviam estar rindo e não... Ai!
Uma das latinhas acertou a cabeça de Italiano. Ele apanhou a lata, segurou firme, com toda sua raiva... Mas, antes de qualquer coisa acontecer, o palhaço correu para lá, tomou a latinha de seu Italiano e simulou estar bebendo dela. Todos silenciaram, só para prestar atenção no que o bobo palhaço fazia. Gage continuou bebendo e depois, enxugou a boca com o braço, então olhou seriamente para a platéia e, segurando a lata... Começou a cantar:
"Tome guaraná
suco de cajú
goiabada para a sobremesa!
Tome guaraná
suco de cajú..."
Em meio ao público imobilizado, um rapaz se manifestou, dizendo:
- Que idiota.
Levantavam-se da arquibancada e iam embora.
- Esperem! - gritou o palhaço - eu posso cantar outra! Que tal "Dancing in the rain"? Ou "Tico-tico no fubá"? Não?
- Deixe eles irem, Gage - falou seu Italiano -, são um bando de ignorantes, que não sabem a importância de sorrir! Seu idiotas! Voltem aqui quando aprenderem o que é bom humor, ou então nem voltem!
- Você é louco em dizer isso?
- Eles tinham que ouvir!
- Agora não vai voltar mais ninguém.
Continua...