SER "CURTIDO " OU "NÃO CURTIDO": EIS A QUESTÃO

Muito tempo se passou desde que William Shakespeare, em Hamlet, propôs uma reflexão filosófica sobre a existência do Homem no meio, dentre o contingente da sua adversidade de fatos e sentimentos promovida pelos conflitos entre sua razão e sua emoção.

Existir ou não existir? Eis a questão de sempre para todo o sempre.

E o que seria "existir" de verdade? Afinal, existimos ou não existimos?

Se aqui penso...alguém por dedução já disse que existo.

Existência é algo pétreo, já programado ao "ser" em qualquer tempo ou algo adaptado aos novos tempos e meios?

Bem, aqui, minha propositura longe está de discutir Hamlet, mas sim a de trazê-lo imutável para atualidade e parafraseá-lo com o humor reflexivo do pensamento pelo tempo do mesmo Homem, cujo modo "operandis" de vida mudou muito de lá pra cá, é verdade, todavia, não essencialmente quanto às suas (nossas) interiores necessidades de sempre.

Fato notório: todos precisamos nos sentir sendo algo...para o outro.

Parece que somos exatamente o mesmo Homem frágil e questionador que William Shakespeare propôs na sua filosofia "hamletiana": acometidos pelas mesmas necessidades, mesmos infortúnios pessoais socias e políticos e mesmas alegrias, mas tudo isso de forma fashion, obviamente.

Nada de se ser demodê na existência e a atualidade urge por elegância moderna em tudo...com toques retrôs, sempre na dose certa da inevitável poesia de se ser.

Assim, dia desses, pela rádio, ouvia lá uma reportagem sobre as redes sociais, em que a jornalista nos explicava que o "facebook" agora vai contar com um espaço "não curtir", além do espaço já existente para curtidas frenéticas que todos os internautas colecionam como passaporte da existência, ao menos a existência virtual.

Nem importa se o amigo virtual não lhe reconheça no restaurante...ali ao lado da sua mesa.

Muito antigo essa coisa de se ser amigo real...

E obviamente que, ao ouvir a tal informação, eu que também estou por ali na rede, imediatamente tive um "insight' de escrever humoradamente sobre.

Vejamos: vivemos na era da exposição para a aprovação: ou corporal via selfies das mais inusitadas, (eu, a exemplo, já vi gente se "autofotografando" em velórios para se expor no contraste da morte e se sentir "vivinho" na rede); vivemos na era da exposição intelectual e também da exposição emocional, enfim , "ser", hoje em dia, é ser curtido na rede, ainda que você possa se sentir sendo meio "morto-vivo" fora dela.

Assim deduzo que: é mister que sejamos um ser alguém nessa vida, ao menos nas CURTIDAS das redes sociais!

Outra reportagem que me inspirou, é o fato de que, hoje em dia, as pessoas movimentam os consultórios dos cirurgiões plásticos, correm quaisquer riscos e custos desnecessários (desnecessários é o modo de dizer!) para fazerem "fotoshop" do todo.

Finalidade principal? aparecer bem na fita da rede para ser curtido pelo mundo sem fronteiras.

Nem precisa auto aprovação do tal "ser individualizado no coletivo narcísico" para se ser: é preciso curtição da rede toda para se sentir sendo...

Então lá vai uma multidão de robôs a curtir tantos outros recém projetados, de "buns -buns" rearranjados plasticamente em posições sinistras que lembram artistas do circo Soleil, peitos belíssimos de sensuais silicones, coxas torneadas, narizes perfeitos reconstruídos, cabelos sedutores sempre um para cada dia, uma cor para cada fio, perfis maravilhosos, homens máquinas de peitorais aconchegantes e macios, e por aí vai, enfim, uma repaginada total do tal ser já caricaturado para que esse ser seja curtido nas redes sociais de existência intangível.

Vale lembrar que não basta ser um traseiro só bonito não: tem que ser o "bum- bum" mais bonito deste para o outro mundo e com curtição total, para isso, vale a pena de se amputar costelas para uma cintura fina, ou as últimas vertebras da coluna dorsal para empinar a b... Afinal, costelas e coluna para quê? Só se for para se ser...super mega, tipo: curtido na rede.

Parou por aqui? Claro que não!

Alguém já observou os parques nos finais de semana?

Por aqui, uma fila de ensaios fotográficos de casais noivos para as últimas curtidas "singles" seguidas de frenéticas curtidas campeãs do casório e grávidos para a foto big master das curtidas invejosas e invejáveis da existência!

São horas e horas escolhendo as posições mais esdrúxulas que já vi na vida...e tudo lá pra todo mundo ver...é de impressionar.

Nada contra, acho lindo! Quero dizer: mais ou menos...é que fico com dó do bebê, cuja ultrasonografia também já deverá estar "n vezes" nas curtida frenética das redes sem ele sequer ter sido consultado.

"olha ele já fez até o gol do Neymar aqui na minha barriga!"

E lá se vão "mil curtidas por segundo".

Pedido de casamento?: "amor quer casar comigo até que uma curtida (ou mais modernamente uma única "não curtida"!) nos separe?

Vez ou outra , no meu cooper matinal pelo parque levo cada susto...

Sou atropelada por grávida vestida de anjo, de mulher maravilha, um mutirão de mulheres seminuas exibindo tatuagens de gosto exótico nos locais mais inóspitos, com coroas de flores artificiais em duvidosas posições sensuais, com o namorado, noivo ou marido vestidos de superman ou de homem aranha, fazendo pose de Hulk, escalando as árvores dos parques para lhes trazer as estrelas do céu, e para, enfim, todos serem aclamados, em tempo instantâneo, nas curtidas pelas redes da existência (?) globalizada.

Eu poderia escrever um livro de situações bizarras mas vou chegar na minha via final comum das tais curtidas a lhes perguntar: vocês já imaginaram o que vai acontecer quando o facebook colocar o espaço para o "não curtir"?

Vai ser um "Deus nos acuda!".

Se as pessoas já fazem de tudo surreal para serem curtidas, imaginem o que farão para não serem "não curtidas"? Ou pior ainda: "descurtidas"!?

Vixi! Sinto o apocalipse pelas redes da não curtição!O mundo virado ao contrário!

Decerto que será a vez dos psicanalistas lotarem seus consultórios em tempos epidêmicos de despersonalização coletiva: " doutor, não fui curtido, que que eu faço agora da minha vida inexistencial?".

Imaginem, em plena época das "selfies" perfeitas a altíssimos custos e sacrifícios, alguém ter o descaramento de dizer na rede, num espaço planejado pra todo mundo ver:

"não curti o seu bum-bum!"

E deflagarar mil "curtidas" no bum-bum "não curtido" em fração de segundo? que recurso egóico suportaria tal dano virtual?

Decerto que Freud cutucaria William Shakespeare para ambos reverem seus conceitos: o que Freud jamais explicaria William lhe acalmaria dizendo:

-amigo, "ser ou não ser curtido", eis a questão existencial desse virtual mundão inexistencial!

Acredito que ambos repensariam um novo modelo para fotoshopar a inexistência da atual existência... e claro, ambos iriam para um divã alentador das incompreensões dos homens sobre o ser Homem.

Bem, mas isso seria assunto para outras vidas.