O ESPETÁCULO DÁ VIDA - capítulo I
O CIRCO CHEGOU NA CIDADE
O circo Attrazioni chegava na pequena cidade de Montinho naquela manhã de sexta. As crianças, logo quando viram a velha caminhonete, correram alvoroçadas ao lado e atrás do veículo. A caminhonete parou num grande terreno baldio e o primeiro a descer dela foi um homem com um bigode italiano, era o seu Italiano, o dono do circo. Depois desceu um homem com algumas bolas nas mãos e uma roupa colorida, era Gage, o palhaço. Então, desceu Lilie, a bailarina; Lorde, o mágico e Pulguento, o cachorro vira-lata.
Uma tenda enorme e colorida começou a ser levantada no local e as cores vibrantes encantavam as crianças, que apontavam seus dedos sujos e sorriam alegremente. Logo chegou um trailer e dele desceram um rapaz e uma mulher gorda, que tinha cabelos encaracolados e uma barba falsa. Eles foram conversar com seu Italiano e observavam os rapazes erguerem a tenda.
- Essas crianças parecem ser muito pobres - disse a gorda, distraída com o corre-corre das crianças -, acha que vamos ganhar alguma coisa nesse fim de mundo?
- Que seja pelo menos o sorriso delas - disse o palhaço Gage, passando para o outro lado e fazendo malabarismo com as bolas, enquanto as crianças o assistiam, encantadas.
- Mas isso não dá pra trocar por dinheiro - disse ainda a gorda.
Quando a tenda estava já estendida, seu Italiano pregou um cartaz anunciando o espetáculo daquela noite: Lorde, o incrível mágico; Gorda, a mulher barbuda; Gage, o palhaço e muito mais! Hoje, às 18:00 horas...
Quando eram 17:20, os artistas já se aprontavam para suas apresentações. Gage sentou-se num banquinho em frente a um pequeno espelho quadrado e abriu uma maleta cheia de maquiagem e tintas de fácil remoção e começou a pintar o rosto e aos poucos já não era Gage, e sim o palhaço Gage, que fazia as crianças sorrirem. Ele usava roupas coloridas e sapatos extra-grandes, mas não tinha peruca, somente um chapéu engraçado. Quando terminou de se arrumar, ele entrou no picadeiro e viu a bailarina calçando suas sapatilhas, Gage era apaixonado por ela e não se cansava de vê-la dançar na ponta dos pés.
PAPEL ERRADO!
Já eram 17:48 e seu Italiano acabara de fazer sua última oração e agora era só aguardar as pessoas chegarem. Demorou um pouco mais do que o esperado, quando algumas pessoas começaram a entrar no circo. Seu Italiano estava logo na entrada e os recebia alegremente, mesmo depois de ouvir tristes comentários de algumas pessoas que passavam por ele.
- Viu aquele bigode? - perguntou uma mulher para a amiga - que ridículo! Aposto que esse circo é igual ao outro que saiu, uma porcaria!
- Não dou dois dias pra ele sair da cidade - falou a amiga.
Já eram 18:30 e a arquibancada ainda estava quase vazia, se não fosse uma senhora com uma carrada de mais de nove filhos o circo estaria vazio. Seu Italiano não podia esperar mais, então resolveu dar início ao espetáculo. Entrou no picadeiro e se apresentou.
- Senhoras e senhores, meninos e meninas, idosos e idosas, jovens e jovas! Eu tenho orgulho de apresentar a vocês... Ele, o mais engraçado, o mais copiado, o mais atrapalhado... Gage, o palhaço! - disse Italiano, estendendo o braço para as cortinas por detrás.
- Papel errado! - gritou o palhaço, lá detrás, sem entrar no picadeiro.
- O palhaço!
- Papel errado!
- O palhaço! - dizia Italiano, forçando os dentes.
- Papel errado, idiota! - gritou o palhaço e todos deram uma gargalhada nessa hora.
O dono do circo leu novamente o papel em suas mãos e viu que havia realmente se confundido.
- Perdão, perdão - falava seu Italiano, vermelho de nervoso, que mal conseguia virar o papel - eu quis dizer...
- Mas não disse! - gritou Gage lá dos fundos e todos riram outra vez.
- Hehe... Ele, que faz rato virar elefante! Que faz coca-cola virar desinfetante!
- Que desapareceu com a sua amante! - gritou o palhaço intrometido e as risadas continuavam.
- É... Lorde, o mágico!
Todos aplaudiram e Lorde entrou no picadeiro, com sua cartola e uma varinha. O mágico pediu a ajuda de uma pessoa na platéia e um senhor se ofereceu a ajudar. Lorde pediu que ele repetisse as palavras mágicas: Cabram, cabrum! Faça-me aparecer algo incomum! O senhor repetiu as palavras e Lorde bateu a varinha na cartola e depois pediu que o senhor retirasse algo da cartola e o senhor enfiou a mão e retirou uma calça cheia de bolinhas. O palhaço apareceu lá atrás sem as calças.
- Está bem - disse o palhaço -, quem foi o engraçadinho?
- Ops! - disse o mágico - acho que alguém perdeu as calças!
O palhaço entrou no picadeiro e arrancou a calça das mãos do mágico e saiu, ao passo que todos riam dele. Seu Italiano pediu aplausos e o mágico se retirou do picadeiro.
- Agora, vocês vão ver... O circo pegar fogo! - disse seu Italiano e a platéia ficou apavorada e barulhenta - não, calma! É só Richard Richard, o garoto que cospe fogo!
O rapaz entrou no picadeiro já fazendo malabarismo com as tochas e o pessoal se assustava com a maneira que o rapaz brincava com o fogo, sem medo nenhum! E ficaram mais apavorados ainda quando ele enfiou uma tocha na boca e depois cuspiu fogo.
- Uau! É um dragão artista! - exclamou Italiano.
- Não! É uma lagartixa! - gritou Gage, divertindo a platéia.
- A-a-aplausos para ele!
Todos aplaudiram e o rapaz saiu de cena.
COM UM COPO NA BOCA
- Agora sim! - dizia seu Italiano - para você que já estava cochilando, para o bebê que estava chorando... Se prepare, porque agora é a hora de Gage, o palhaço!
E lá veio ele, tropeçando nos próprios sapatos, com suas bolinhas de malabarismo e seu jeito todo desengonçado.
- Seu Italiângulo? - disse o palhaço.
- Diga, Gage! - falou seu Italiano.
- Quer apostar que eu consigo tocar a língua no cotovelo?
- Mas isso eu não consigo! Duvido que você, tonto como é, consiga o fazer!
O palhaço punha a língua para fora e lambeu o cotovelo de seu Italiano.
- Eca! Você lambeu meu cotovelo! - falou Italiano.
- Agora é sério - dizia o palhaço -, quer apostar que eu ando cantando com um copo na boca?
- Hã? Mas isso eu duvido!
- Quer ver?
O palhaço começou a andar de um lado para o outro e a cantar:
"Com um copo na boooca
Com um copo na boooca
Lá, lá, lá, lá, lá, lá, lá, lá
Com um copo na boooca..."
E o público se acabava de rir do palhaço! Ele se despediu com sua canção e as apresentações seguiram. A noite foi pura alegria, pipoca e algodão doce para as crianças e muita, mas muita diversão!
- E por último, mas não menos importante - anunciou Italiano -, ela, a mais bela, a mais formosa, a mais charmosa... Lilie, a bailarina!
E os holofotes acompanharam os passos da bela bailarina, ela rodopiava feito um pião, na pontinha dos pés e o palhaço sorria, timidamente, agarrado à cortina cheia de remendos e suspirava de paixão.
Ele morde?
- Obrigado por sua vinda, passe bem! - dizia seu Italiano, despedindo-se das pessoas que iam saindo do circo ao final do espetáculo - obrigado por sua vinda, passe bem...
No final de tudo, os artistas se reuniram no trailer do circo para contar o lucro do espetáculo daquela noite. Italiano era quem separava o dinheiro.
- Não foi muita coisa - disse o dono do circo, num tom de cansaço.
- Mas eles gostaram - disse o palhaço -, é o que importa!
- Vamos ver amanhã no que isso vai dar. Ainda temos mais dois espetáculos pela frente - Italiano guardou o dinheiro e eles foram descansar.
Dia seguinte, seu Italiano pregou um novo cartaz na entrada do circo: "espetáculo de hoje: as gêmeas trapezistas, o assustador leão e muito mais!", depois ele foi falar com Lorde, que estava andando com cara de preocupado.
- Alguma coisa aconteceu, Lorde? - perguntou seu Italiano.
- Sim - respondeu Lorde -, não encontro a atração principal dessa noite.
- Não me diga que ele fugiu? Lorde!
- Calma, eu vou encontrá-lo!
- É bom! Todos estão loucos para ver essa atração.
No outro lado do circo, estava um menino barrigudinho brincando com o cachorro do circo. Lorde os viu e agarrou o cachorro.
- Ah, você está aí - disse Lorde.
- Moço, esse cachorro é seu? - perguntou o menino.
- É sim.
- E qual é o nome dele?
- Pulguento.
- E ele morde?
- Só quem fica fazendo muita pergunta.
Lorde levou o cachorro e o amarrou ao trailer.
Continua...