Loteria indiana
É aquela festança. Mega. Extraída em praça pública, envolve milhões e milhões de pessoas, sob sol inclemente, suarenta e esperançosa gente!
No anúncio do quinto prêmio, um par de agulhas de tricô, saído para o número 175.234.198, levam-se horas para achar e transportar, sobre as cabeças, a feliz ganhadora até o tablado da apuração. Discurso apaixonado da galardoada.
O quarto prêmio, anunciado com estardalhaço vai para outra respeitável senhora: uma máquina de coser, manual. Mais forte ovação, e tome discurso de puro orgulho: a premiada diz que seu país não terá mais descamisados, gente sem calça, graças à sua futura ação, fazendo tudo à mão.
Terceiro prêmio: é a maravilha da tecnologia indiana, um automóvel estirpe hindustani. Além do jogo de ferramentas, vem também de cortesia um manico, para dar a partida. O ganhador, alucinado, proclama-se, de chaves na mão, desafiador dos Schumachers, Sennas e Vettels. Irá correr a Fómula Um e lhes mostrar a chama da paixão de um indiano no volante.
E o suspense cresce, exponencialmente. É hora de se anunciar o segundo prêmio. Será desta vez um avião, um iate, um helicóptero? Ensurdecedora expectativa. O afortunado dono do bilhete 035.989.004 aproxima-se do tablado para tomar conhecimento daquilo que vai mudar sua vida doravante, e, o anúncio se faz, em alto-falante, a plenos pulmões:
Quinze minutos de audiência com a Primeira-Ministra Indira Gandhi, à frente dos titulares de todo o seu ministério!
O agraciado, no cúmulo de sua frustração - ele que esperava um bem material - não resiste, esbraveja:
- Foda-se Indira Gandhi! Foda-se Indira Gandhi!
No que é interrompido pelo anunciante, com toda veemência:
- Não não e não, senhor, essa suprema honraria é reservada ao ganhador do primeiro prêmio!