INSPIRAÇÃO

Sinto que estou inspirado!

Pois, sinto-me por demais envolvido

por um sentimento de desgosto

seguido de um desejo reprimido.

Sinto que estou inspirado!

Qual as criaturas da noite,

sinto o doce sabor do sangue

escorrendo pelos cantos da boca.

Sinto que estou inspirado!

Acordei com a mesma sensação de ontem,

a mesma sensação de desânimo, de inércia;

aquela extrema vontade de nada fazer.

Somente uma coisa me apraz no momento:

o desejo irresistível de extravasar

toda aquela exaltação do espírito,

deveras latente em meu pensamento.

Sim... sinto-me inspirado!

Resolvo, então, trancar-me na biblioteca.

Resolvi dar asas à imaginação.

__ Minha mente é um mar de palavras

vadias e desconexas, qual quebra-cabeças

flutuando à fina flor da superfície.

__ Como um incansável pescador, eu, poeta

as recolho e as ordeno, para com isso,

satisfazer o meu ego.

Agora sento-me à mesa;

ponho uma folha na máquina;

acendo um cigarro, paro... penso...

Já sei! Vou decantar as flores!...

"Oh! flores divinas de tipos diversos

que sempre em meus versos ocupam lugar,

qual mães que oferecem aos filhos as tetas,

dão as borboletas o mel a sugar."

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Não, não faz sentido.

Embolo a folha e atiro-a na lixeira.

Ponho outra na máquina,

paro, penso, ordeno as ideias...

Que tal exaltar os sonhos!

"Cerrando as pálpebras por um momento,

em um momento vejo-me a sonhar;

qual disco voador, meu pensamento

transpassa a terra e alcança o firmamento

e volta em tempo de auferir o mar."

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Não, não e não. Novamente atiro a folha na lixeira,

novamente não faz sentido.

Ponho outro na máquina,

recosto o tronco no costado da cadeira,

dou uma última baforada no cigarro,

amasso-o no cinzeiro.

Novamente paro, penso,

pesco as palavras...

decidi escrever sobre a vida.

"Se a vida é um palco, a vida um circo também é,

onde, frequentemente inconsciente, o ser

exibe triunfante aquilo que quer ser,

pelo o não se adequar com aquilo que ele é."

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Não, não. Também não faz sentido.

__ Mas, que droga!

Violentamente atiro a folha na lixeira,

ponho outra no lugar.

Paro, penso, ainda me sinto inspirado.

Mas também aborrecido, aborrecido demais para pensar!

Lanço mão da Máquina de escrever,

ergo-a da mesa em direção à lixeira e...

nesse momento minha mulher bate à porta

chamando-me para o almoço.

Xinguei-a de tudo quanto foi nome.

Ela se afastou rapidamente resmungando;

repus a máquina no lugar.

Parei, pensei na minha ingratidão...

Finalmente bati.

Arrependi-me, pois, não é direito;

oh! companheira de alongados anos

tratá-la mal assim e desse jeito,

em gestos irascíveis dos insanos.

Já cheguei ao desplante de esmurrá-la,

a que tal proporção vai minha sede,

e que somente paro de surrá-la

depois que a jogo contra uma parede.

Oh! Senhor, como posso ser tão bruto;

alguém tão frágil! Quanta iniquidade!...

Pois as marcas que trazes é produto

da minha habitual brutalidade.

Quase sempre depois de uma agressão__

tadinha! __ lento vou me aproximando,

ao vê-la agonizante sobre o chão,

eis que a tomo nos braços soluçando.

Logo em seguida julgo irremissível

em vendo os arranhões nas estruturas,

chego a seguinte conclusão possível:

que tú, somente tú, é quem me aturas.

És paciente, assim, qual fôra Ló,

não guardas mágoas no seu coração;

Teu silêncio revela por si só,

que mesmo assim me honraras com o perdão.

Tú bem sabes que quando me aborreço

sou selvagem, cruel e possessivo,

mas quando estou sereno me ofereço

de corpo e de alma, assim, feito cativo.

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Posso surrá-la dez vezes por dia

para tão logo vir a me rever,

mas no lixo jamais eu jogaria

minha máquina velha de escrever.

É isso! Consegui, eu sabia que estava inspirado e...

Novamente minha mulher bate à porta com violência.

Provavelmente com o rolo de pastel na mão.

Da última vez que que ela ficou brava deste jeito,

levei nove pontos na cabeça.

__ Zé, abra já esta porta! Disse ela aos berros.

__ Já vai meu bem...