A BOCA
A placa ainda está na porta: Dr.HERMANO ABSINTO – Dentista
Era um cidadão não tão comum. Formou-se aos trinta e cinco anos em Odontologia, modelo do pai, que era bem conceituado na Capital, na profissão de cirurgião dentista.
Hermano, seu filho único, calou sua boca várias vezes de desgosto, repetindo os anos na universidade, sempre envolvido com as mulheres, uma de cada vez, ou em grupo, numa orgia inconsciente. Fazia muito sucesso com elas , desde a adolescência.
Era o tipo sarado, com um belo sorriso travesso. Convidava mesmo às travessuras.
Inclusive, aos quinze anos, tinha sido garoto propaganda de uma famosa marca de dentifrícios.
E se formou assim, anestesiado com as mulheres , e com seu segundo vício: a erva verde diária e outras drogas.
Em apenas um ano no exercício foi notícia na mídia, envolvido em escândalos pessoais por
causa da erva, e processos judiciais, por erros médicos bucais.
Seu pai o aconselhou a tirar férias, numa clínica de reabilitação , e para lá Hermano foi.
Após alguns meses, achando que ele estava “limpo” , deu-lhe uma outra oportunidade, e sugeriu que mudasse de ares.
Hermano escolheu uma cidadezinha , distante da Capital, com lindas paisagens , porém , de população muito pobre.
Estando lá instalado, morada-consultório, tinha que cobrar barato para canalizar clientes, ficando conhecido como Dr. Sinto.
Embora no local houvessem muitos desdentados e cariados, tinha dificuldade em atraí-los.
O pai ofereceu enviar uma polpuda mesada, mas ele recusou. Só aceitava uma quantia básica para seu sustento. Queria se redimir frente ao pai, mostrando-lhe que poderia se reerguer sozinho. Mas o vício retornou, e mudou seu projeto. Então teve uma idéia brilhante:
Como os clientes quase não surgiam, resolveu ir ao encontro deles.Vestia seu jaleco branco, pegava sua maleta de primeiros socorros , e escolhia uma rua.
Diariamente, fazia visitas à domicílio. Batia de porta em porta, e se apresentava:
-Sou o Dr. Sinto. Me deixa ver sua boca?
E as pessoas deixavam! Ofertava o diagnóstico dos serviços a serem feitos, estendia seu cartão, e falava:
-Estou aqui para lhe ajudar. Se não puder pagar à vista, parcelo em quantas vezes for preciso! Me visite!
O que se apresentava, por demais pitoresco em sua figura, era o desenho que tinha gravado no crachá, pregado no bolso de seu jaleco, enfeitando seu nome: uma cara de cavalo, sorrindo com dentes brancos e enormes, como uma dentadura, e a outra de uma homem franzino, sorrindo desdentado. A idéia marqueteira inspiradora não era infundada. Viu um documentário, em que cirurgiões dentistas colocavam dentaduras em cavalos raçudos, cujos proprietários pagavam o que fosse preciso , para que suas ferramentas cativas mastigassem melhor, conservando sua saúde, suas fontes de lucros. Ficou tão deslumbrado, que enviou seu currículo para fazer parte do grupo, mas não obteve resposta.
E surgiram muitos clientes, porém , em apenas um ano, causou muitas dores, economizando anestesia, muitos furos errados nos canais, extraiu dentes que não precisava, e colocou outros fora do lugar...alguns tão móveis que caíam. Aí então, caiu na boca do povo!
Os clientes sumiram de vez e, mesmo os que ainda pagavam , deixaram de pagar.
Após acabar a reserva que sustentava seu vício, estando sóbrio, dispensou a auxiliarzinha ,sem aviso prévio, sentou na recepção e, boquiaberto, resmungou:
-Porra de vida! Sem dentes pra tirar e botar, como vou fazer agora pra alimentar minha boca carente de fumo?
Levantou-se desvalido, trancou a porta do consultório e colou um aviso, abaixo da placa de seu nome:
“FECHOU A BOCA!” (ele achava que fazia um favor à população! hahaha
E foi tomar cerveja com amigos , que não tinha, no único boteco da pracinha , chamado...
“DISCANÇO DU GUERRERO”. Ficou lá sentado horas, guerreando com ele mesmo Mas tantas tomou, que teve de “pendurar a conta”. Levantou-se titubeando, escorregou, e caiu na porta.
Ficou assim por minutos, estirado, sorrindo travesso...Justamente nessa hora, passou uma familia do local, ex-pacientes. O pai, assobiando entre dois dentes, o reconheceu, e falou:
-Não é o Dotô da boca? E cuspiu nele!
Se ele não morreu , talvez eu conte o que sucedeu...
A placa ainda está na porta: Dr.HERMANO ABSINTO – Dentista
Era um cidadão não tão comum. Formou-se aos trinta e cinco anos em Odontologia, modelo do pai, que era bem conceituado na Capital, na profissão de cirurgião dentista.
Hermano, seu filho único, calou sua boca várias vezes de desgosto, repetindo os anos na universidade, sempre envolvido com as mulheres, uma de cada vez, ou em grupo, numa orgia inconsciente. Fazia muito sucesso com elas , desde a adolescência.
Era o tipo sarado, com um belo sorriso travesso. Convidava mesmo às travessuras.
Inclusive, aos quinze anos, tinha sido garoto propaganda de uma famosa marca de dentifrícios.
E se formou assim, anestesiado com as mulheres , e com seu segundo vício: a erva verde diária e outras drogas.
Em apenas um ano no exercício foi notícia na mídia, envolvido em escândalos pessoais por
causa da erva, e processos judiciais, por erros médicos bucais.
Seu pai o aconselhou a tirar férias, numa clínica de reabilitação , e para lá Hermano foi.
Após alguns meses, achando que ele estava “limpo” , deu-lhe uma outra oportunidade, e sugeriu que mudasse de ares.
Hermano escolheu uma cidadezinha , distante da Capital, com lindas paisagens , porém , de população muito pobre.
Estando lá instalado, morada-consultório, tinha que cobrar barato para canalizar clientes, ficando conhecido como Dr. Sinto.
Embora no local houvessem muitos desdentados e cariados, tinha dificuldade em atraí-los.
O pai ofereceu enviar uma polpuda mesada, mas ele recusou. Só aceitava uma quantia básica para seu sustento. Queria se redimir frente ao pai, mostrando-lhe que poderia se reerguer sozinho. Mas o vício retornou, e mudou seu projeto. Então teve uma idéia brilhante:
Como os clientes quase não surgiam, resolveu ir ao encontro deles.Vestia seu jaleco branco, pegava sua maleta de primeiros socorros , e escolhia uma rua.
Diariamente, fazia visitas à domicílio. Batia de porta em porta, e se apresentava:
-Sou o Dr. Sinto. Me deixa ver sua boca?
E as pessoas deixavam! Ofertava o diagnóstico dos serviços a serem feitos, estendia seu cartão, e falava:
-Estou aqui para lhe ajudar. Se não puder pagar à vista, parcelo em quantas vezes for preciso! Me visite!
O que se apresentava, por demais pitoresco em sua figura, era o desenho que tinha gravado no crachá, pregado no bolso de seu jaleco, enfeitando seu nome: uma cara de cavalo, sorrindo com dentes brancos e enormes, como uma dentadura, e a outra de uma homem franzino, sorrindo desdentado. A idéia marqueteira inspiradora não era infundada. Viu um documentário, em que cirurgiões dentistas colocavam dentaduras em cavalos raçudos, cujos proprietários pagavam o que fosse preciso , para que suas ferramentas cativas mastigassem melhor, conservando sua saúde, suas fontes de lucros. Ficou tão deslumbrado, que enviou seu currículo para fazer parte do grupo, mas não obteve resposta.
E surgiram muitos clientes, porém , em apenas um ano, causou muitas dores, economizando anestesia, muitos furos errados nos canais, extraiu dentes que não precisava, e colocou outros fora do lugar...alguns tão móveis que caíam. Aí então, caiu na boca do povo!
Os clientes sumiram de vez e, mesmo os que ainda pagavam , deixaram de pagar.
Após acabar a reserva que sustentava seu vício, estando sóbrio, dispensou a auxiliarzinha ,sem aviso prévio, sentou na recepção e, boquiaberto, resmungou:
-Porra de vida! Sem dentes pra tirar e botar, como vou fazer agora pra alimentar minha boca carente de fumo?
Levantou-se desvalido, trancou a porta do consultório e colou um aviso, abaixo da placa de seu nome:
“FECHOU A BOCA!” (ele achava que fazia um favor à população! hahaha
E foi tomar cerveja com amigos , que não tinha, no único boteco da pracinha , chamado...
“DISCANÇO DU GUERRERO”. Ficou lá sentado horas, guerreando com ele mesmo Mas tantas tomou, que teve de “pendurar a conta”. Levantou-se titubeando, escorregou, e caiu na porta.
Ficou assim por minutos, estirado, sorrindo travesso...Justamente nessa hora, passou uma familia do local, ex-pacientes. O pai, assobiando entre dois dentes, o reconheceu, e falou:
-Não é o Dotô da boca? E cuspiu nele!
Se ele não morreu , talvez eu conte o que sucedeu...