PADRE COLORANDO...

Morou numa cidadezinha chamada Bensanto, perdida no interior do Espirito Santo. Estive lá, pesquisando crendices interiorianas. Ali conheci um senhor muito falante, chamado Normando, que se dizia padrinho de um certo padre, desaparecido há uns oito anos. Inclusive , havia colado fotos nos postes da cidade. Estava no local procurando o afilhado, diante de ter falecido o pai de Colorando. Não o encontrando , acabou se instalando , na esperança que ele retornasse àquele município. Então, contou-me sobre o passado de seu pupilo...

O padre morava só na pequena paróquia , e abrigava uma cadela preta , vira-lata , resgatada da rua , que ele batizou com o nome de Plutozelia.
A gratidão da cachorra era tanta que não o largava e o seguia como um anjo guardião. Até quando pregava a missa , ela postava-se à porta da igreja e, às vezes, ensaiava em entrar pela frente, aí o padre interrompia o pregão e gritava: - Xô Plutozelia! Então ela retornava para o lado de fora, postando-se sentada, e ficava aguardando.
Podia vê-los andando nas ruas, sentados na praçinha , em meio às crianças , que riam muito quando o padre , caminhando apressado e estando ventando forte, sua batina preta esvoaçava e Plutozelia o seguia puxando a barra, e o padre esbravejava: - larga Plutozelia!.
A dupla era a diversão do local. As crianças adoravam. Os adultos frequentavam a missa ,mas na verdade não sentiam-se muito à vontade. Tinham um pouco de medo de imaginar que poderia ser uma dupla do mal. Ninguém conseguia saber de onde ele tirou aquele nome da cachorra, e as cabeças devaneavam, principalmente , aos domingos, quando Colorando pregava o sermão, e dirigia-se aos jovens do local, achando que se “perdiam” nos arroubos da juventude, e exclamava: - Essas plutozelias cachorras!...
E niiiinguém entendia nada...hahaha.

Era filho de pai rico . Anteriormente à sua formação de padre, tinha sido um jovem récem formado em astronomia. Não por vocação. Realizou somente aquela formação por vontade do pai, diplomando-se em uma dessas faculdades PP ...(pagou passou).

E assim acontecia...Ficava horas, olhando entediado pelo seu telescópio , no terraço de sua cobertura, em Santos, município paulista. O telescópio tinha ganho do pai, de presente, no dia de sua formatura . Foi entregue assim... dessa maneira: .

-Taí filhão, seu telescópio de última geração! Haigui Defini-XON!

Falava o inglês como entendia o som e como imaginava que era escrito... hahaha...Quando chegava no “ Defini “ , ele parava , aumentava a voz, e completava, em tom maior: -XON!
E finalizou , todo orgulhoso:
-O seu telescópio não é como esses que têm por aí de ponta, ele é de pontão!!

Estando já, mais ou menos um mês, muito cansado e apagado, olhando as estrelas, Colorando viu um asteróide! Nem questionou e pensou: “ Achei! descobri um novo planeta! “

Em vez de, minuciosamente, pesquisar, “protegendo” sua descoberta , correu a contar pro pai inculto, que era, de fato , um plutocrata riqúissimo, daqueles que tudo têm e tudo resolvem com cifras...
E como sempre orgulhoso, prontamente o incentivou.

.- Vá em frente, filhão inteligente! Papai vai já providenciar a patente!

E aí, todo confiante, Colorando retornou ao telescópio para pesquisar melhor ,antes de apresentar sua descoberta à classe científica, mas , para sua surpresa e frustração , estava lá o que pensava ser um novo planeta: Era Plutão! O planeta anão!

Aí, batendo o pé num faniquito de raiva, educadamente, gritou:

-Plutão! Seu cão Pluto Filho da Pluta! Você não é “meu planeta”! Alguém já te viu primeiro!

E possesso , com sua mancada astronômica, estendeu o faniquito, batendo com o outro pé...
Aí bradou:

- Desiiiistoooo! Não quero saber mais nada desse céu, tá tudo muito distante!

Ele sempre foi assim ... tinha que acertar tudo na primeira. Aos dezoito anos, após ter ganho um Toyotão do pai, foi aprender a dirigir. Seu motorista particular se prontificou a lhe ensinar, mas sabia-se lá por quê, sentia-se travado o tendo ao lado, e tinha dificuldade. Não conseguia passar da primeira marcha! Quase desistiu, mas o pai insistiu , e o colocou na melhor escola de direção do País! E assim, dia sim ,dia não, ele pegava o avião e ia pro o outro Estado , tomar aulas de direção, e acabou aprendendo...

E continuou Normando...Falava com empolgação, como se estivesse desabafando, balançando a cabeça pros lados, como em desgosto...
-Ih...ih... retornando à decepção...chamada Plutão! Inclusive, correu pelos ares que nem planeta é não....Ficou tão deprimido que endoidou e se perdeu...caiu no buraco negro, o coitado... praticando um desvario degradante, surubando com várias mulheres,...até que, lá por meados dos anos noventa, conheceu uma jovem morena de traços firmes, cabelos até os ombros, cacheados, mais marcante do que bela, de nome Zélia. Colorando apaixonou-se de cara, pela primeira vez. Chamava-a “minha estrela Zélia”...

Nessa fase, tentando tirá-lo de sua depressão, o pai lhe deu de presente um apart-hotel *****estrelas , e sugeriu que fosse morar sozinho, no intuito de fazê-lo “crescer”.

Então na sua primeira noite de amor com a Zelia, tentou impressioná-la de todas as maneiras. Assim como o pai, gostava de ostentar seu dinheiro e colocou a carteira , exposta, ao lado da cama, recheada de cruzados. Aí , estando dormindo como um anjo relaxado, Zélia , no sapatinho, saiu de fininho, levando todo seu dinheiro!

Formou-se o trauma : Plutão com o bloqueio Zelia!

Voltou novamente à orgia... Corria boato que praticava até pedofilia!
Um ano depois, no desespero, enxergou sua degradação. Implorou e gritou ao Pai Superior:
- Perdão!
Então, foi estudar teologia com fervor, se convertendo em padre, e assim , de hábito, desistiu do amor, também, na primeira decepção...

E ficaram todos esclarecidos, o sentido daquele nome da cachorra Plutozelia, e da passagem daquela criatura de Deus, Colorando, na cidade....

(Versão a crônica  "Plutonélia" de Anaximandro Amorim)