UMA TARTARUGA ESTRAGA RELACIONAMENTO AMOROSO

Havia um certo tempo que estavam trabalhando juntos na loja de pneus e artefatos de borracha. Laura chegara há poucas semanas. Júlio era o encarregado do setor de manufatura. Laura estava na recepção. Aliás era muito receptiva com seu sorriso largo e franco. Quando foram apresentados. Júlio apertou as mãos frias de Laura e lhe dirigiu apenas um olhar de compartilhamento.

-Já o vi alguma vezes. -foram as únicas palavras dela.

-Seja bem vinda. -foram as únicas palavras dele.

O trabalho seguia a sua rotina. Laura poucas vezes ia até o setor de Júlio. Quando ia, passava quase despercebidamente. Levar um ou outro recado, uma nota, alguma informação.

Quando Júlio desceu para a cantina à tarde para um lanche, Laura estava lavando copos.

-A faxineira não veio. Parece que ela foi atropelada por um caminhão de mortadela. Então preciso fazer a minha parte. Gosto de ajudar sabe!

-Sei.

-Quando estou trabalhando não importa onde seja, quero mostrar serviço.

Não seria difícil encontrar Laura esfregando os vidros da janela da recepção ou limpando os teclados do computador.

-Gosto de trabalhar. -dizia ela.

-Isso tem tratamento, sabia.

-Está querendo dizer...

-Sim, você está doente. Obsessão por trabalho, procure um especialista.

Júlio ficou um tempo olhando para ela. Uma coisa passava por dentro dele,

não sabia definir ao certo. Não podia ser. Será que..?

-Preciso voltar, -disse ele, -Está na minha hora.

No outro dia desce ele para a cantina. Laura estava lá. Com o rosto vermelho, olhos lacrimejantes.

-Maldito, eu sabia! Eu sabia que não ia dar certo! Uma sandália de setenta reais. Uma

sandália de setenta reais. Você sabe o que aconteceu?! Sabe o que aconteceu!?

Júlio balançou a cabeça.

-Ele com aquele carro dele... Aquela lata velha. Fomos para um baile, ele errou o caminho. Saímos numa estrada de terra, caiu um aguaceiro. O carro atolou. Ele me obrigou descer do carro para empurrar aquele maldito carro. Eu tive de descer... A minha sandália no meio daquele lamaçal. Lançou lama em mim! Onde já se viu! Empurrar o carro dele. É para isso que ele me quer!?

Júlio quis dar uma força:

-Não fique assim. Talvez... Bem, ninguém quer que uma coisa dessa aconteça. É o destino.

No outro dia na cantina. Laura com os olhos lacrimejantes. Chorava outra vez, soluçava baixinho.

-O maldito me mandou um e-mail. Me chamou das piores coisas possíveis. Só porque fui na sorveteria antes de passar na casa dele, ele ficou sabendo, me chamou de galinha, de vadia, de piranha. Disse que provavelmente eu estaria com outro.

Júlio de novo como conciliador:

-Como é o nome dele?

-Jardel. Jardel, o maldito!

-Calma, talvez seja uma maneira de ele expressar o seu amor. Ele se preocupa com você, caso contrário ele não agiria dessa forma. Provavelmente ele está inseguro.

No outro dia conversavam coisa do cotidiano. Ela contou tudo sobre sua vida. Disse até que tinha um rato de estimação, um hamster, o Jofre.

Foi assim, toda vez que Júlio a via, perguntava do rato.

-O rato!? -respondia ela, -Tomara que morra.

-Não. Estou falando do rato de estimação.

-Ah, ele vai bem.

Júlio confessou que tinha um jabuti em casa. Aliás uma jabuti: Jenifer.

Passaram-se os dias. Laura não disse mais nada de Jardel. Júlio sabia apenas que se tratava de um funcionário de uma agência bancária.

-Eu conto para os meus amigos de Jenifer, eles pensam que se trata de uma namorada... Mas eles estranhavam quando dizia que Jenifer dormia na garagem, dentro de uma caixa de sapatos.

-Você tem namorada?

-Tive... algumas.

Júlio contava aventuras de Jenifer. Laura contava as agruras de aturar o seu rato. Dessa vez era o Jardel. Laura mostrava em seu computador as mensagens que enviava para Jardel. "Jardel Eu Te Amo." Com paisagens ao fundo e letras que cintilavam na tela. Laura começou ir mais ao setor de Júlio. Inúmeros recados, telefonemas. Fingia que esquecia algo só pra voltar.

-Júlio, eu preciso de sua ajuda. O meu computador está com pane. Posso usar o seu?

-Ah, pode!

-Não, não precisa se levantar, é coisa rápida.

Ela arrastou uma cadeira próxima a ele, e mexia no mouse, esfregava seu braço no braço dele. Júlio sentiu como era quente a pele de Laura.

-Eu precisava que você me ensinasse umas coisas.

Júlio ficou olhando para ela. Ela perguntou:

-Já pensou em ter filhos?

-Ah, claro. Um monte. Ver ele crescendo. O tempo da escola. Irmos na livraria comprar o material escolar: caderno, livros, lápis, coletes a prova de bala, capacetes, bazuca, metralhadora, e as aulas de tiros ao alvo, e a lancheira dele. E quando ele chegar da escola perguntar pra ele se comeu o lanchinho.

Júlio pôde ver como eram negros os olhos de Laura. Possuíam uma luz própria. Não eram como os olhos de Jenifer.

-Você não sabe o que aconteceu hoje! Jenifer aproveitou um minuto que esqueci a geladeira aberta, e quando vi ela tinha comido todo o alface.

Laura apenas o media com os olhos, Júlio tentou dissuadir:

-Contrataram outra faxineira?

-Sim, mas no primeiro dia de trabalho foi atropelada por um caminhão e morreu.

-É! Acho que vamos ficar um tempo sem faxineira.

Dias e dias se passaram. Laura sempre com problemas com o computador dela. Júlio cedia o dele.

-Vão inaugurar uma boate neste fim de semana. Que tal... a gente... Um dos donos é meu amigo...

-Logo neste fim de semana... Prometi a Jenifer pegar o filme das "Últimas Aventuras das Tartarugas Ninjas"... Que ela adora.

-Homens! Homens! Homens! Homens!

Quem passava na rua até parou para escutar:

-Homens! São todos iguais!

Júlio chegou em casa. Desanimado olhou para Jenifer:

-Acho que ninguém entende a gente.

Leozão Maçaroca
Enviado por Leozão Maçaroca em 05/03/2015
Código do texto: T5158916
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