Um causo de Timbaúba dos Mocós

Timbaúba dos Mocós fica na Zona da Mata Norte de Pernambuco, cidade natal de um cabra varonil, que sou eu mesmo, e quem vier com pilhéria, mando pra tonga da milonga do cabuletê e diga lá que não me viu. Pois sim, Timbaúba começou com um arruado no bairro de Mocós, onde nasceu minha vó Biu, lugar que criou uma tradição na arte de produzir redes e tapetes em teares manuais. Minha vó Biu foi redeira. Ainda hoje tem gente que faz redes em Mocós. Esse artesanato já deveria ter sido tombado como patrimônio histórico imemorial de nossa cultura. Mocó é um roedor muito apreciado na culinária nordestina. O lajedo onde nasceu minha vó deveria ter muitos mocós. Meus parentes de Timbaúba foram, indubitavelmente, predadores desses bichinhos.

Mas, o que eu quero contar hoje é o episódio acontecido aí pela década de 1950. Minha cidadezinha produzia rede de dormir e sapatos. Na cidade, quem não era redeiro, fatalmente ganhava a vida como sapateiro. Meu pai, um sujeito excepcional, era gráfico. Vai daí que a cidade recebia grande fluxo de visitantes no auge da indústria coureira, a maioria trabalhadores das indústrias de sapatos em busca de oportunidade.

Situado na praça Carlos Lira, centro da cidade, o salão do barbeiro Artur Curamba era o centro da fofoca básica. Templo sagrado dos homens, a barbearia era o espaço onde os machos se encontravam para prosear, falar da vida alheia e, eventualmente, cortar o cabelo e fazer a barba.

Naquela manhã de fevereiro, véspera de carnaval, muita gente nas ruas, freguesia esperando nos bancos da barbearia, que não tinha muita frescura não. Sem papo de marcar horário. O freguês chegava, pegava a fila no banco e esperava a vez. Artur Curamba chama o próximo:

--- O senhor, pode sentar. Fique à vontade.

Um rapaz moreno, de bigode, paletó branco e chapéu de palhinha.

--- Vai meia cabeleira? Quer que bote gomalina? Quer com álcool, com talco ou quer que molhe?

E começou a falar das bondades de Timbaúba, que era uma cidade pacata, clima bom, povo trabalhador e mulher bonita.

--- O senhor, que mal pergunte, vem de Limoeiro?

--- Sou do Recife.

--- E desculpando minha curiosidade, é sapateiro solador ou apalazador?

--- Sou o novo promotor público da cidade --- disse o freguês atrás da camada de espuma.

Artur Curamba mudou de cor e de assunto. E estava nessa de caprichar no visual do doutor quando adentra ao salão o cabra chato da cidade, um sujeito importuno feito piolho de púbis, desses de botar chulé em pé de mesa.

--- Artur, tem muita gente na minha frente? --- foi perguntando o antipático.

--- Tem aqui o cidadão.

--- Negro não é gente. Todo negro me deve um tostão.

A ofensa fez com que Artur Curamba mudasse novamente de cor, pressentindo a tragédia. O resto da galera só esperava o mar pegar fogo pra comer peixe frito. O homem levantou da cadeira do barbeiro, tirou uma moeda do bolso da algibeira e atirou no chão cabeludo da barbearia.

--- Pegue a moeda e me dê o troco --- ordenou.

O sujeito mofino quis se desculpar, mas aquele não era definitivamente seu dia. Um soldado ia passando na calçada, foi chamado pelo Promotor que ordenou a prisão do mané por desacato à autoridade.

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Fábio Mozart
Enviado por Fábio Mozart em 26/02/2015
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