UM BANHO DE DUCHA FRIA
Tenho comigo que nossas convicções " de mundo" nos acompanham no dia- a- dia dos nossos mais inusitados acontecimentos e acabam por atrair lições do meio.
Assim inicio minha crônica porque o assunto é delicado...e há de ser bem preambulado, algo de forma "eufemística" para não parecer deselegância literária.
Mas que culpa teria eu da realidade das calçadas e dos intestinos soltos?
Quero contar que , dia desses, fazendo minha caminhada matinal pelas ruas, senti algo delicadamente derrapante sob a sola do meu tênis.
Assim que percebi o incidente mais que natural, algo vindo naturalmente da natureza mesmo, examinei o ocorrido e constatei o que já sabem, que desavisadamente calquei os pés no que não deveria estar ali, em plena manhã dum sábado ensolarado, a macular os caminhos, os narizes, e a boa fé dos transeuntes.
Bem, filosofia a parte, o fato tinha lá a sua parte boa: a matéria orgânica, recém saída de alguém em pleno funcionamento emergencial, um animalzinho talvez, ainda estava bem fresca e removível a ponto de me fazer acreditar nas facilidades para as devidas providências higiênicas da sola do meu tênis novo.
Não tive dúvidas: entrei num shopping e fui até o sanitário mais próximo para tentar encontrar...quem sabe uma ducha com água?
Seria um milagre aquífero!
Assim que entrei no recinto encontrei uma garota uniformizada, responsável pela limpeza dali, uns vinte e cinco anos talvez, que olhava seu "face" freneticamente num celular de última geração e sorria descontraída.
"Moça, bom dia, desculpe atrapalhar, será que aqui tem uma ducha com água, daquelas pequeninas?"-perguntei quase desesperada ...o que já seria meu terceiro problema na sequência dos fatos (dejeto, ducha e água).
Percebi que ela me lançou um olhar meio desesperançado...
"Ducha, sei que é isso não ô dona, o que é ducha?".
Eu poderia ter parado por ali...mas era o meu quarto problema.
AGORA JÁ SERIA UM DESAFIO!
Então, de repente, me vi explicando, com toda a vontade e dificuldade desse mundo, o que é uma ducha, dei uma aula de ducha, parecia fácil, bico mesmo, mas não era não, mesmo assim segui em frente:
"ducha, deixa ver, é uma espécie de...já sei, é chuveirinho pequeno, no comando da nossa mão, que serve para higienizar pequenas partes com água...me entende?"- eu tentei.
A moça algo interessada parecia assustada com a minha explanação sobre ducha pequena e respondeu que achava que agora já sabia, mais ou menos, o que era uma ducha.
Senti uma certa felicidade de missão cumprida. Até esqueci do meu tênis!
"Mas tem água aqui não, moça, e nem essa ducha pequena!!"- me informou ela categoricamente.
Obviamente que nem lhe expliquei qual era a minha urgente necessidade de ducha para o já nem tão triste assim momento do meu tênis.
Bem, sei que saí dali com três problemas: o dejeto seco, a água em falta, a ducha inexistente, o quarto problema eu resolvi, mas ficou a incômoda sensação dum completo "banho de ducha fria", a de que na nossa realidade de hoje, se já não haveria água, muito menos haveria professores técnicos suficientes para discorrerem sobre todas e tantas duchas necessárias para higienizar os nossos caminhos...algo minados de dejetos mal cheirosos para todos os lados.
Moral da história: ainda bem que inventaram o celular...