SANTADA XII - A MENTIRA QUE VIROU VERDADE - PESCARIA

O Leonel, meu irmão, por telefone, contou-me que o pedreiro que trabalhava na reforma de sua casa em Promissão, havia lhe contado que fora pescar e pegara mais de 200 (duzentos) peixes num ponto do Rio Tietê próximo de Promissão. Pegava tucunaré até com pedaço de cueca vermelha.

Na ocasião eu estava trabalhando em Pederneiras e pernoitava em Bauru e como sempre minhas tralhas de pescaria me acompanhavam. Nos finais de semana eu aproveitava para ir a Promissão visitar a família, então marcamos uma pescaria na semana santa.

- O cara me disse que não está pegando nada e que é melhor nem ir pescar, não compensa o trabalho de por o barco no rio, disse o Leonel quando cheguei na quinta-feira à noite.

Fiquei p da vida. Eu já desconfiava de um grande exagero, porque pegar duzentos peixes com um só anzol, seja como for é ficar em movimento o tempo todo, haja braço.

Nessa noite houve uma rodada de pizza e vinho na casa de meu irmão e lá foi o cara que além de confirmar os duzentos peixes, ainda falou que pegava tucunaré com trapo de cueca vermelha.

- Eu não pesco, eu vou buscar peixe, dizia o cara e não ficava vermelho. Esta semana não pegamos nada porque a água está fria. Até dez dias antes a gente enchia sacos de peixes.

Malograda a pescaria em que o cara seria o guia, eu, o Leonel e o Rubens, seu cunhado, resolvemos ir pescar em Sabino que fica a uns cinquenta quilômetros de Promissão.

Sabino fica às margens do Rio Tietê de onde parte uma balsa para Sales a uns cinco quilômetros do centro da cidade que fica às margens de um braço do Tietê. Aqui a prefeitura local fez um “resort” com plataforma para pesca, praia, quadra de vôlei, quiosques com churrasqueira, etc. Gostei do lugar. Paga-se uma taxa para você por o veículo na área e lá pode-se passar um dia de lazer, pescando, banhando-se, jogando, churrascando e bebendo. Quer coisa melhor?

Estávamos pescando na plataforma por quase uma hora e nada pegamos. Alguém chegou para nós e perguntou.

- Vocês são de onde?

- De São Paulo, respondi. Eles moram em Promissão.

- Eu também sou de São Paulo, moro na Vila Prudente, mas passo a maior parte do ano aqui. Vocês estão pescando com que isca?

-Minhoca, respondi.

- Aqui se pesca com camarão, disse-nos.

- Camarão? Perguntei indignado.

- Sim, vou pedir para o menino ir mariscar para vocês.

Chamou um garoto que atravessou a ponte e foi do outro lado do rio e passava uma peneira na beirada e voltou trazendo uma lata de uns 500 ml com uns camarões minúsculos que eu examinando não reconheci. Para mim era uma espécie nova, não era pitu, isso eu tenho certeza.

- Vocês põem dois em cada anzol, lança a uns trinta metros que podem pescar até tucunarés, orientou-nos o estranho.

Para encurtar a história, chegou a hora da fome e nós não tínhamos pescado nenhum peixe, fosse próximo à margem ou longe dela, com minhoca ou camarão. Então fomos almoçar num restaurante que fica em frente e lá comemos um belo pintado na telha bem acompanhado com cerveja, afinal merecemos.

Após esse almoço, fomos tentar pegar alguma coisa lá onde parte a balsa para Sales. Havia muita gente com varejão caipira dentro do rio com água até a cintura no meio de alguns capins tentando pescar traíras. Ficamos no barranco tentando pescar tucunarés, arremessando o anzol bem longe. Não pegamos e não vimos ninguém pegar.

Conhecemos um casal já bem idoso. Ele tinha 83 anos e era pescador, por respeito, não quisemos nem saber a idade dela. Mas pescavam juntos há anos.

Aproveitei para tirar aquela dúvida dos duzentos peixes do cara.

Ele respondeu. – Se for corvina, dá para pegar. Eu e minha mulher pegamos 270 (duzentos e setenta), mas a gente estava em dois.

Pensei. “Achei um mentiroso maior, PQP!!!

Ele deu-nos uma explicação bastante plausível que serviu de aula.

- A corvina vive em cardume e em profundidade. Você desce a linha com um peso na ponta e um anzol em cada metro até o fundo. No anzol que pegar é a profundidade que elas estão comendo. Aí você pode por vários anzóis que você vai pegar sempre mais que uma. Quantos anzóis puser, quantas serão pescadas.

Passamos pescando até umas quatro horas da tarde e não tínhamos nenhum peixe para levar. No meio de tanta “mentira” porque não inventar uma?

Cheguei para o Rubens e disse a ele.

– Rubens nós pescamos 130 (cento e trinta) peixes, mas como nós estávamos pescando em lugar proibido a Polícia Ambiental confiscou nossos peixes e quase fomos presos. Isso só não aconteceu porque o Leonel mostrou a carteira de Mestre e o guarda quando viu escrito Ministério da Marinha, pensou que ele era oficial e eu tenho licença vitalícia para pescar.

- Mas seu Nino eu nunca menti na minha vida, disse o Rubens.

- Mentiu agora Rubens, disse eu.

Ele deu um riso aceitando a piada.

Quando voltamos, minha cunhada em tom de gozação, falou:

- Chegaram os pescadores. Cadê os peixes? Acho que vocês só pegaram carrapatos!

Então contei a mentira e acrescentei.

- Ficamos felizes porque eles (os policiais) disseram que iam doar os peixes a asilos e creches. Ficamos até emocionados em saber que alguém necessitado ia comer peixe fresco naquele dia.

Os risos acabaram. Parece que ela não acreditou, mas parou de tirar sarro.

No dia seguinte ao da pescaria de Sabino, fomos conhecer a colônia de pescadores que fica na esquina da BR com o Tietê logo após a barragem da Usina de Promissão para colher informações sobre aluguel de barcos, guias, etc. para uma futura pescaria embarcada.

A primeira coisa que nos chamou a atenção foi um anuncio “Vendem-se peixes e camarões”, naturalmente não com essa ortografia, mas vimos umas mulheres passar a peneira na beira do rio e pegar camarões.

O pescador que nos indicaram, informou-nos que de fato não estavam pescando naquela semana e que seria desperdício alugar um barco, salvo se quiséssemos passear. Deixou-nos o telefone à disposição para quando a gente quisesse saber sob as condições para pescar.

Na semana seguinte a TV TEM que cobre a região mostra uma reportagem em que a Polícia Ambiental ou órgão semelhante havia confiscado os peixes e todo equipamento de pesca de alguns pescadores e ainda os prenderam por estarem pescando em lugar proibido. Então meu irmão não hesitou. E disse à Neusa.

- Viu a notícia? Agora acredita na gente? Está vendo? Aconteceu igualzinho conosco. Nós só não fomos presos porque o Nino tem licença de pesca e eles me confundiram com um oficial da marinha. Se não fosse por isso, teríamos perdido também o equipamento de pesca.

- Acredita agora?

A pescaria malogrou, mas trouxe para meu acervo algo que não conhecia: os camarões do Tietê e a técnica para pescar corvinas. Valeu!

SANTO BRONZATO em 18 jan. 2014

SANTO BRONZATO
Enviado por SANTO BRONZATO em 18/01/2015
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