A CIGARRA ROQUEIRA E A FORMIGA CAPITALISTA

Era uma vez uma formiga muito trabalhadora e laboriosa, que vivia a labutar , na faina para atingir uma condição financeira estável e um dia se aposentar; lia o Economist, assinava o Financial Times e estava sempre por dentro das suas ações na bolsa. Sempre se lembrava dos conselhos de seu avô , o Formigão (parente do formicida):

“De grão em grão a galinha enche o papo; quem trabalha, tem”.

E assim economizava ; juntava o mínimo farelo e a menor sementinha em suas tulhas; deixava de passear, de tomar um sorvete, ou seja, de “curtir” a vida, como diziam os ociosos, mas “um dia”,- dizia, teria uma aposentadoria tranquila, “mas não deixaria de acordar um dia às cinco e de trabalhar”, nem que fosse para lustrar o chão de seu formigueiro.

Dito isso, ou pensado, ouviu o fuzuê de sua vizinha do lado, a Cigarra, que escutava seu rock no último volume.

“Eu já falei com o síndico do condomínio, o Senhor Cupim, mas ela não se emenda; vou acabar com essa gritaria já; onde já se viu, nessa idade e nem encontrou ainda um cigarro, o seu marido; esse é um condomínio de respeito!”

“Toc,toc, toc!”

Abre-se a porta e aparece a cigarra, toda alegre e faceira:

“E aí, véia, veio curtir o sonzão do Led Zeppelin ?”

“Não, eu vim reclamar do barulho; será que não percebe que o som está muuuito alto??”

“Ih, relaxa, mana, o som do Led tem que ser ouvido nas alturas... sente o som e viaja comigo...”

“Eu vou é reclamar com o síndico! Se for o caso, chamo o Seu Tamanduá, o prefeito...”

E não adiantou; a cigarra continuava com aquela zoeira toda e com festinhas até de madrugada; a formiga continuava emburrada, mas pensava:” vai chegar o inverno e essa aí, que não fez nada, vai se dar mal”

E foi o que aconteceu: o inverno chegou, as folhas caíram e, a cigarra não tinha a mínima folha para se alimentar; enquanto isso, a formiga, em sua casa quentinha, se regalava com sua tulha cheia: “o trabalho enobrece o homem”, quando ouve baterem em sua porta : “toc, toc, toc!”

“Quem é?”

“Sou eu, a Cigarra! Ô, veia, não tenho uma folhinha pra comer; dá pra me emprestar uns cem paus? Te pago depois...

“Você não cantou enquanto eu trabalhava ? Agora se vire...”

“Pô, sacanagem”- disse e foi embora.

E não se ouviu mais a barulheira por um tempo; a formiga sentiu um alívio, quer dizer, tinha se acostumado com a alegria da música. Ela, que sempre fora séria, tinha inveja de quem sabia se divertir e aproveitar a vida; via umas rugas na testa (preocupação com o trabalho!).Dito isso, foi olhar as tulhas, oh, não! Estava tudo embolorado! Como tinha sido incompetente; puxou suas ações na bolsa- tinha perdido tudo! Como faria para pagar o empréstimo no banco?

A primavera chegou, e ela ,arrasada, resolveu ligar a TV para se distrair e :

“E agora o novo hit do momento – a Banda AS CIGARRAS!!”

Não acreditava no que ouvia; aquele som que detestava enchia agora sua casa de vida. Chegou a batucar com a perninha , marcando o ritmo.

Eis que batem à porta novamente:

“Toc, toc, toc!”

A formiga abre com receio a porta e, para surpresa sua, era a Cigarra, toda elegante, com óculos escuros, com um CD na mão:

“Veia, vim te trazer o meu novo álbum autografado: “A Cigarra e os Grilos Falantes; eu e minha tchurma tamos fazendo a maior onda no rádio”

“É, é, que legal! Parabéns!

Olhou para o chão, envergonhada, e balbuciou:

É..., a colheita esse ano foi ruim...dá pra me emprestar uns trocadinhos ; te devolvo rapidinho...

A Cigarra não pensou duas vezes; enfiou a mão no bolso , tirou um bolo de dinheiro e deu-lhe:

“Claro, amiga; não se preocupe; vou dar uma festinha hoje à noite; o som vai ser um arraso...”

A formiga esboçou pela primeira vez um sorriso:

“V-Vou, vou , sim!

E foi mesmo; a formiga se divertiu bastante, cantou, dançou e sorriu pela primeira vez em sua vida...

Moral da História: Esse mundo não é nada daquilo do que pensamos.