ALÔ, COM QUEM EU FALO?

Tem dia que a gente se pergunta: "será que é só comigo?".

Hoje precisei acessar um telefone de consulta dum serviço público de porte, um daqueles números curtinhos que prometem o exercício imediato da cidadania informativa dos direitos e dos deveres irrevogáveis.

Ok. Senti que exercitava a fé.

Todo mundo já sabe que aquele tão diverso menú de opções, e que mais parece uma Bíblia, exige muitos dos usuários, de modo que precisamos ter uma memória de elefante, algo a prova de qualquer Alzeheimerzinho básico, para lembrar o que significava digitar o número um...quando você já está ouvino o serviço oferecido pela opção do número dez.

Ok. Senti que exercitaria a paciência, outra grande virtude em falta nos dias de hoje. E a memória também.

Mas daí, o inusitado aconteceu comigo; quando eu digitava o número 3, que era o serviço que eu necessito até agora, e depois de 10 tentativas frustadas de telefonemas por todos os caminhos do menú ,a ouvir depois de todas elas - " para sua segurança esta ligação está sendo gravada"- a fervorosamente sentir em cada nova tentativa de que tiraria a sorte grande na evidente iminência de que alguém REAL estaria A ME OUVIR do outro lado da linha (oba , agora vai!) para me fornecer uma simples informação, depois de ouvir duas tocadas no meu ouvido a cada ligação o sistema me deslocava para outro atendimento automático...de avaliação dos serviços.

"por favor, avalie o nosso atendimento de zero a cinco!

Ainda bem que não era de zero a dez porque eu iria me perder na nota.

Meu Deus dos céus...nunca me aconteceu isso: dez telefonemas para dez tentativas de "atendimento sem atendimento' e ainda me me pediam sistematicamente para eu avaliar os dez atendimentos que não houve.

Ai se eu avalio...

Será que é porque estou em terras brasilis?

Bem, descoberto um número daqueles maiores pela web, tipo SAC, daqueles telefones mais encorpados, mais críveis, liguei, ainda que pouco esperançosamente, para obter informação da minha dúvida.

'a senhora não ligou para o número tal? ligue novamente ou tente esse outro que vou lhe passar porque aqui não damos informações por telefone, aqui só presencialmente".

Expliquei o caso do sistema emperrado do número oficial que queria avaliação do atendimento sem atendimento. Nada adiantou! Nem sensibilizei a moça com o meu drama...

Peguei o telefone que ela displicentemente me passou e depois de três toques um senhor me atendeu.

Entrei no nirvana.

"ALô, com quem falo?" perguntei com calma, com esperança, com educação, com cidadania, com voto de confiança, com reza brava, com toda fé do mundo, já agradecida por ele me ouvir na minha pequena pergunta identificadora .

E muito silabicamente, quase em rítmo sincopado de sonolência abissal, ele me explicou:

"o-l-h-a s....enhora, com quem a s...enhora fala não vem ao caso, porque... e-n-t-e-n-d-a!- meu nome... não interessa ao seu telefonema... porque sou apenas... o p-o-r-t-e-i-r-o da e-m-p-r-e-s-a.

Acreditem, e eu não perdi a a calma. Agora já era desafio cidadão!

"com q...uem... a s...enhora... quer falar...afinal?" o nobre homem me indagou.

" não sei senhor, é esse o meu problema"!

"Mas como... a senhora liga para alguém sem saber com quem quer falar?

" Mais uma vez, não sei senhor."

" A senhora está brincando comigo? A ligação está sendo gravada, fique a senhora sabendo..." -senti que acordei o homem.

Contei-lhe meu drama e ele inacreditavelmente foi acordando e ouviu tudinho. Parecia indignado. Depois lhe perguntei a minha dúvida técnica com todo cuidado.

E, aquele nobre homem bravamente despertado do berço esplêndido, finalmente me informou:

"Ah , entendi seu caso, diferente mesmo...olha, a senhora então espere nova comunicação da empresa na sua residência, não precisa vir até aqui não, o trânsito está difícil demais nessa época do ano e nada anda por aí.

Agradeci àquela boa alma da portaria, tão sábia, tão bondosa e tão tecnicamente competente.

Desliguei a ligação e deduzi com certo desejo iminente:

"Oxalá fosse só o trânsito que não anda por aqui".

E claro, escrevo esta crônica em agradecimento e também para avaliar a excelência do atendimento daquele senhor, cuja informação, em dias cada vez mais difíceis, acreditem, me foi um presente dos céus.

Acho que ele era o Papai Noel...só pode...