O rato
Certo final de tarde , quando voltava para casa, após um dia de trabalho, lá na rua André Saraiva, onde morava na ocasião, vi um rato entrar numa casa, um "baita" rato cinza, e fiquei preocupado, tanto que o meu espírito de solidariedade falou mais alto , e parei em frente ao portão... A casa, daquelas antigas, onde uma longa entrada de carro terminava bem diante da sacada que antecedia a sala, e aonde os donos tinham vários vasos de plantas..., e o rato ficou bem por ali, circulando... Fiquei indeciso, parado no portão, naquela de aviso ou não aviso, e depois...se abrissem a porta da sala, e o "Jerry" resolvesse entrar ? Seria pior, e o meu dever " cívico" já me acusava de traidor, se houvesse negligência, então..." à cidadania", a bendita cidadania me empurrava para a ação , e toquei a campainha ...
Meu Deus ! saiu um velho de pijama e pantufas, na tal sacadinha das plantas, o pobre homem já arqueado pela força dos anos, apoiado a uma bengala, mal conseguia me ver , e senti que a situação se complicara além do que poderia imaginar, então ele me perguntou com a voz trêmula ..." O que deseja , meu filho ?" Nisso o nosso amiguinho cinzento saiu de atrás de um dos vasos, e ficou bem no meio das pernas do senhor...e a minha voz mal conseguia sair , a boca entre-aberta e o dedo apontando para baixo..." - É que tem um rato no meio das suas pernas. A frase saiu de uma golfada , sem "anestesia" , a seco ! Gostaria que tivesse sido de outra forma, preparando o terreno com psicologia, do tipo ; " O senhor gosta de ratos" ? , " isto é uma pesquisa..." algo assim, mas não deu !
Pobre homem ! Quando ele olhou para baixo, no meio das pantufas, lá estava...e o rato olhou para ele, e ele para o rato, por um décimo de segundo, e a dança começou, um espetáculo digno de municipal, o homem deu um pulo duplo com as pernas pra cima, a bengala batia em tudo menos no rato, que dançava entre as plantas, e ele gritava com a boca sem dentes, sons indecifráveis, um "show"...
Diante daquilo tudo, acabei saindo de cena, meio assustado e agora , mais relaxado, morrendo de vontade de rir, pois o filme se passava pela retina, e com aquela culpazinha de leve, de menino aprontão.
Juro, isto aconteceu de verdade , faz parte do meu diário de bordo.