A sogra vidente e o resultado da mega sena
Marlon acordou cedo e preparou o melhor café da manhã que seus dotes culinários permitiram.Depois foi acordar a esposa.Entrou no quarto do casal na ponta dos pés.
__Amor..amor..Samanta?__cutucou levemente por três vezes a perna esquerda da mulher usando o dedo indicador.
__O qu...__Samanta abriu um pouco os olhos e franziu a testa.logo depois,meio assustada,sentou-se na cama__Marlon?O que foi?
__Eu já preparei o café da manhã.
A mulher procurou certificar-se de que não estava sonhando e de que o autor daquela frase era mesmo seu marido.O marido que,certa vez, fora ao oftamologista preocupado com uma mancha escura no seu campo visual,e descobriu que a tal mancha não passava de sujeira nos óculos,os quais ele nunca limpava.
__Você está sentindo alguma coisa?__perguntou,intrigada.
__Eu?Nada!Por que?__Marlon abriu os braços
__Você,fazendo o café?
__Esqueceu que hoje é o dia?__O homem abriu mais os braços
__Que d..?Ahhh!Entendi...Tinha esquecido.__Samanta deu um sorriso amarelo.
O tal dia,amigo leitor,era o dia em que dona Frutuosa,mãe de Samanta,sogra de Marlon,prometera dar um palpite de seis números para que o genro fizesse uma aposta na mega sena.
Cabe a mim informar que,dez anos antes dos acontecimentos narrados neste conto,dona Frutuosa,por brincadeira,falara seis números para o outro genro,de nome Abel,que fez o jogo e ganhou sozinho na mega sena.Foram vinte e três milhões.
Para azar de Marlon,uma semana antes daquele palpite certeiro,numa despretensiosa pelada,por uma discussão boba entre os dois,em que um defendia a escalação de Serginho Chulapa e o outro a de Roberto Dinamite na seleção da copa de 82,Marlon dera duas bolachas em Abel.
Aquelas duas bolachas custaram dois dentes a Abel e inviabilizaram qualquer possibilidade de Marlon ver um centavo sequer daquela bolada.
A irmã de Samanta,esposa de Abel,ainda tentou interceder(pensando na irmã,não em Marlon) mas não adiantou.Quem apanha não esquece!
E Marlon acompanhou desde então a vida de milionário de Abel:carros de luxo,mansão,viagens internacionais,roupas de grife,jóias...Mas o palpite da velha iria mudar tudo isso!
Voltemos ao presente:
__A campainha!É ela!__Marlon levantou-se da cama,elétrico__Deixa que eu abro!
Era a sogra que,por teimosia,ainda vivia na casa onde criara as duas filhas.Uma enfermeira a acompanhava nas poucas saídas para a rua.
Dona Frutuosa,de oitenta e seis anos,sentou-se à mesa com extrema dificuldade.
Depois de beber um pouco de café com leite e comer duas torradas,falou para o genro:
__Marlon;como eu prometi,hoje te darei seis números.
__Eu fico muito agradecido.__Marlon tinha os olhos úmidos.
__Nunca disse isso para ninguém__continuou a sogra__Mas quando dei o palpite para o Abel,hà dez anos atrás,de algum jeito que não consigo explicar,eu sabia que aqueles números seriam os números ganhadores.
Marlon sorriu.A sogra tossiu,limpou a boca num guardanapo e prosseguiu.
__...E,semana passada,tive a mesma impressão quando esses números que eu vou te dar me apareceram na cabeça...
__Pode falar sogrinha.__Marlon já estava com um caderninho e uma caneta nas mãos.
__Pois bem;anote aí:06,15,18,2...OHHHHHHHHHHHHH!
Dona Frutuosa caiu dura ali mesmo,na frente da filha,da enfermeira e de Marlon.
Tentaram de tudo.Oxigênio,respiração boca a boca,levaram para a emergência....Não adiantou.A morte não manda aviso.
Passado o enterro,Marlon tentou de tudo para conseguir os números restantes do palpite:revirou a casa da sogra em busca de algum caderninho de anotações,fez um curso de projeciologia,para conseguir sair do corpo durante o sono e encontrar a sogra no plano astral,foi a um pai de santo,a um centro espírita...Não adiantou.A velha não baixava de jeito algum.
Por várias vezes,completou os números por conta própria e fez o jogo.
Jamais ganhou alguma coisa.
O estresse da situação levou os cabelos que ainda tinha.
Como era um otimista,percebeu que,careca,cabeceava muito melhor,e passou a fazer muitos gols na pelada em que jogava todas as segundas feiras,a mesma em que,anos atrás,espancara Abel com duas bolachas..
Tornou-se o carequinha de ouro.
Nunca mais discutiu com ninguém.