Seu Guede Compra Celular
Luis Cláudio já trabalha na revenda de celulares há dois anos, com o que sustenta seus estudos na Universidade Católica de Pelotas, onde faz Jornalismo e Comunicação. Jovem moderno e atualizado, usa brinco nas duas orelhas, cabelo comprido até os ombros e tiara. Tem a pele alva de quem não vai à praia e óculos sem armação, que lhe dão um visual bastante clean. Metódico e virginiano, ele fica com a namorada às 23 horas e 35 minutos, todos os sábados, quando os pais dela vão passar o fim de semana na granja de arroz da família.
Seu Guede está em Pelotas para colocar flores no túmulo da finada mãezinha, por conta do Dia das Mães. Ele é proprietário de um bolicho em Passinhos, distrito de São José do Norte. Quando rapaz, Seu Guede, por absoluta falta de parceria sexual, já que as ovelhas são escassas naquela região típica de pescadores, namorou seu amigo Fagunde, numa espécie de Brokeback Mountain gaudério. Nenhum dos dois jamais admitiu o namoro. Coisa do passado. Cada um deles tirou cria com suas respectivas piguanchas. Cada um tem três casais. Eventualmente tomam chimarrão juntos. Cada um com sua cuia, à moda uruguaia, para evitar beijos simbólicos.
Seu Guede vai aproveitar a ida à Pelotas para comprar um celular. Ouviu dizer que o tal telefone nem precisa de fio e que dá para falar de qualquer lugar, até mesmo da casinha, quando estiver atendendo ao chamado da Natureza. Com pilcha completa, ele se sente à vontade para ir ao centro, já que ouviu dizer que pelotense é cheio de frescura para se arrumar. Pelotense é muuuito pomadista, ouviu dizer.
Entra na loja e se dirige a uma moça loira enfeitadissima, mas ela lhe informa que é preciso uma senha para ser atendido.
- Más que senha, que é perciso, dona? – pergunta – não quero jogá truco!
A moça, pacientemente, retira um papelzinho do bloco de senhas e explica que quando ele ouvir o número ele será atendido.
- Tem sorteio pra atendê freguês, é?
- Não. Não é sorteio, senhor. É só para colocar ordem no atendimento. Assim o senhor não vai ser preterido em função de outra pessoa.
Sem saber o que é preterido, Seu Guede cala-se, já que devia ser coisa feia. Pelotense tem má fama... “Más esse negócio dos paperzinho até que eu pudia inventar lá no bolicho”, pensou ele, “se bem que tenho uns déiz freguês no máximo e tudo cachaceiro...”.
- Vinte! (pausa) Ficha vinte! (silêncio)
- Más bah! É a minha tchê!
- Em que posso servi-lo senhor? – diz Luis Cláudio cordialmente.
- Pois piguancha, eu quiria era comprá o tal de telefone celular! Ouvi dizê que dá pra falá de qualqué lugar com qualqué pessoa! É verdade?
- Se a outra pessoa tiver telefone, sim – responde Luis Cláudio, ironicamente. Além do mais o senhor poderá tirar fotos...
- Má BAH! Dá pra tirar retrato?! Com o telefone?! Más óia – o que é que não inventam!?
- ... ouvir rádio FM...
- U QUÊÊÊ?! Tu tá me gozando, piguancha! Cumé que eu vô ouvi rádio no telefone? Eu vô tê que telefoná pros locutor, por um acauso é?
- ... usar a Internet para download...
- U QUÊ!?! Tu que vai dá o lordo se tu quisé! Não vem com essa conversa pra cima de mim, que eu te arrebento a cara!! Eu que tava achando que tu era uma prenda de respeito, mas tô vendo que tu é um baita dum fresco duma figa, desgraçado! Sai da minha frente!
- Mas senhor...
- E eu vô é m’imbora. Bem que me dissero que só dá viado nessa cidade!
Seu Guede volta para casa sem o celular. Mas não por este pequeno mal-entendido, e sim porque percebeu que seus dedos jamais seriam capazes de acionar o teclado do aparelho devido à grossura.
Meu Glossário
Bolicho – bodega, taberninha ou armazém. Lugar onde se vende cachaça e rapadura puxa. Há quase sempre um gato sentado num saco de estopa.
Gaudério – vagabundo, andarilho. Gaúcho. (Não que o gaúcho em si seja um vagabundo, longe disso - apenas alguns aposentados o são)
Tirar cria – ter filhos (A tentativa é compensatória)
Piguancha – moça, rapariga de vida nada fácil
Casinha – banheiro, em geral de madeira, construído ao ar livre, onde as partes pudendas recebem o sopro dos ventos, enquanto se obra.
Chimarrão – Mate. Espécie de chá feito da erva-mate, tomado com um estranho canudo de metal (a bomba), crivado de rituais e significados misteriosos.
Cuia – espécie de copo onde o chimarrão é preparado.
Pilcha – peça de vestuário. Aparato que veste a estátua do Laçador na Capital do RS
Pelotense – indivíduo nascido na gloriosa e culta cidade de Pelotas, RS, Brasil
Pomadista - esnobe. Ou aquele que usa pomada na fuça para disfarçar a cara de areia mijada
Perciso – preciso, necessário
Cachaceiro – indivíduo que consome a cachaça, aguardente de cana, ao invés de vinho tinto de boa qualidade
Truco – jogo de cartas onde os jogadores combinam senhas, servindo geralmente como desculpa para porres memoráveis
Lordo – orifício anal, amplamente utilizado entre os homossexuais masculinos. Também serve para utlizar na casinha. (Perdão)
Prenda – moça, mulher, indivíduo do sexo feminino.
Fresco – indivíduo com opção sexual alternativa. Guei.
Viado – o mesmo que fresco. Guei.