O INFORMATA

Estamos no ano de 2014. Trinta e cinco anos atrás, quando a informática ainda não fazia parte da nossa vida, e nem mesmo existia no Brasil o computador pessoal, o “PC”, depois chamado de microcomputador, atualmente denominado simplesmente de computador, a informática era território reservado a uma casta especialíssima, os analistas de sistemas, profissionais misteriosos, todos eles de QI superior, conhecedores de uma ciência estruturada em palavras incompreensíveis que os habilitava a dominar o mundo. O temor dos simples mortais era real.

É importante lembrar que naquela época os monitores eram monocromáticos: tinham no máximo quatorze polegadas e tudo o que se podia ver neles eram linhas e linhas de números e letrinhas verdes. Nada de figuras, nada de colorido, nada de ícones de navegação, não havia o “máuse”, e a Internet chegou bem depois.

Na repartição pública onde eu trabalhava havia um desses profissionais, um japonês magérrimo que usava óculos com lentes quadradas de “fundo-de-garrafa”. Pessoa boníssima, tinha por missão desenvolver sistemas de computação de dados úteis para a nossa secretaria e nos ajudar a um dia, talvez, sermos usuários dessas inovações. Por ser tão gente boa, sua figura contrastava com a imagem comum dos poderosos e esquivos analistas de sistemas, mas eu sempre desconfio de quem se impõe valendo-se da minha ignorância, mesmo quando é simpático e bem intencionado. Minha secreta vingança foi imaginar o ditoso japonês, dedicadíssimo ao trabalho, vitimado pela própria tecnologia que o colocava acima de mim.

Imaginei o rapaz fundindo-se ao equipamento, numa simbiose homem-máquina extraordinária, inusitada, paroxística, e escrevi um breve conto de verdadeiro humor negro.

Em resumo, a historieta narrava a crescente dedicação do “informata” ao seu trabalho, até quando, depois de um fim-de-semana inteiro trabalhando, na segunda-feira pela manhã, foi encontrado pelos colegas de trabalho, sentado em sua cadeira, fundido ao computador, as lentes de seus óculos transformadas em dois monitores, onde apareciam as letrinhas verdes que ele processava em seu cérebro. Bem feito pra ele!

Eis o texto original:

O INFORMATA

Sempre foi um rapaz magro, muito magro, que usava óculos cada vez maiores e lentes mais espessas. Trabalhava como analista de sistemas de uma empresa pública e não desgrudava do terminal do computador. Era muito trabalhador. Gostava tanto de informática que passava noites elaborando softwares, descobrindo novas utilidades para a informação digital, pesquisando formas de expandir bancos de dados, produzindo maravilhas que começavam a transformar o mundo vinte anos antes do ano 2000. "A informática vai multiplicar a velocidade do desenvolvimento", dizia ele, buscando no segredo dos seus neurônios os impulsos criativos para transformar a riqueza econômica e social em chips, digo, transformar os chips em riqueza econômica e social.

Alguma coisa útil ainda haveria de produzir com aquele trabalho todo que tinha sempre a fazer. Sondava o segredo dos circuitos eletrônicos, cada vez mais magro, mais cego, mais delirante. Não tivera oportunidade de inventar o computador, a descoberta mais lógica de todos os tempos. Alguém inventara antes. Mas entraria para a história como o inventor de alguma grande e revolucionária forma de utilizar a máquina para o bem e a felicidade dos povos. Sua glória seria registrada nas enciclopédias do futuro.

Se ele próprio não conseguisse, seu filho conseguiria. Aos três anos o pirralho já dominava o vídeo-game, magrinho como o pai, usando óculos de grossas lentes retangulares. Era a cara do pai. Podia usar lentes redondas, mas as retangulares representavam melhor a forma do monitor dos computadores. No quinto aniversário, o pai informata programou o filho para largar o vídeo-game e brincar exclusivamente no computador. Aos seis o guri, cheio de bits, desmontou um liquidificador, meteu a chave de fenda no micro, tirou algumas peças de um velho televisor, acrescentou peças de uma antena de TV e a resistência de um secador de cabelos e assim montou um trisoftframe.

Era a glória de um pai. O informata, pai extremado, ficou tão feliz que lançou-se ainda mais entusiasmado ao trabalho. Passava os finais de semana na repartição, em frente ao terminal, reprogramando bancos de dados, estruturando novas plataformas, criando atalhos, dissolvendo bugs. Numa segunda-feira, pela manhã, ele foi encontrado debruçado sobre a mesa, os finos e longos braços e pernas transformados em cabos. Um pé estava ligado na tomada elétrica, o outro na rede telefônica, plugado ao computador central. A mão esquerda empunhava a rede nacional de telecomunicações. As lentes dos óculos haviam crescido e se transformado em dois luminosos monitores. Neles apareciam os numerozinhos verdes que ia digitando com a mão direita no teclado. Seus neurônios haviam adquirido a velocidade de processamento de um chip. O informata estava definitivamente transformado em terminal inteligente, o primeiro do mundo em sua categoria.

Marco Antonio Mondini
Enviado por Marco Antonio Mondini em 14/07/2014
Reeditado em 16/07/2014
Código do texto: T4881094
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