HORA DO ALMOÇO
Cheguei em casa com uma porção de novidades (pelo menos para mim era, embora soubesse-as medíocres) para contar à minha esposa.
Ela na frente da televisão extasiada, sem nem piscar, sem ao menos me perceber. Dei um beijo nela. Ela com um olho em mim e o outro na tevê. Eu fui para mesa almoçar, todos já haviam almoçado. Ela na sala sentadona, na boa (como dizem os mais jovens). Da mesa perguntei se ela havia notado alguma diferença em mim. Resolvi devolver os motes de tantos xingões que havia tomado por não perceber quando ela cortava uns três centímetros do cabelo, mudava-o de castanho escuro para castanho um pouquinho mais escuro, e outras coisas a mais que servem de motivo para aquelas briguinhas de casal e, que sinceramente, o homem não percebe (a ciência deve explicar, senão o dito popular explica) mas, não é por maldade, é porque realmente não percebemos (pelo menos eu não percebo. Desculpo-me com aqueles que percebem e sobre a generalização). Então, como sempre maltratado por tal desleixo de observador, perguntei porque achei que se elas cobram tal capricho é porque são realmente observadoras e se ligam em tais detalhes. Acho que me decepcionei. E, ainda para dar um gostinho a mais apelei para o sentimentalismo barato, falei “E elas dizem que somos nós homens os insensíveis!”.
Havia cortado o cabelo. Lógico, que meu cabelo só aparece mais volume dos lados, em cima é quase que imperceptível, é mais ou menos (digamos assim) modelo palhaço Bozo. Mas ela deveria ter notado.
Ia contar a ela sobre minha manhã de serviço, sobre meus problemas, do trânsito, dos buracos das ruas agilmente desviados como se fosse motorista de rally, dos xingões dos apressadinhos mal-educados, dos números cada vez maior dos casos da gripe suína, dos chazinhos para preveni-la e outras coisas importantíssimas (pelo menos para mim como já disse).
Sentei-me à mesa sozinho. Nem meus piazinhos se sentaram comigo ou vieram me ver, assistiam em outro cômodo uma série daquelas de super-heróis robóticos que deixam umas lições incríveis de como a piazada deve se quebrar na porrada, pelo menos é o que eles fazem logo após assistirem tal série. Deve ser o efeito catártico...
Resolvi algo meio que suicida. Disputar espaço com a televisão. Gritei “viu algo diferente???” e ela “Onde?” Recuei momentaneamente, como um experiente estrategista, bradei “deixe pra lá” Pensei “daqui a pouco termina o episódio da tevê e ela vem me dar atenção. Criancice minha agir assim. Pura pirraça. Mas de vez em quando é interessante agir dessa forma. Fiquei a imaginar: eu um marido-tevê. Com um aparelho televisor na cabeça. Marido ideal. Falaria sempre algo interessante, teria sempre novidades de todos os assuntos, dinâmico, em cores ajustáveis ao gosto dela e de seu humor e combinações, não reclamaria, se reclamasse ela mudaria de canal, enfim um maridaço (vê o que é a dor da carência afetiva).
Continuei mastigando meus pensamentos. Uma colherada, uma pensada, para não misturar porque não sei fazer mais que uma coisa por vez.
Terminou o programa a que ela assistia. Ela vem sorridente e me pergunta “Que você disse?” Mastigando, mastigando, rindo com sorriso amarelo, verde, preto. Fechei a boca. Limpei meus dentes com a língua, um gole de suco. Respondi “Nada! Esqueça! Já começou o meu jornal? Não perco um”. Da cozinha enquanto ela lavava a louça, e eu assistia o jornal, ela me falou alguma coisa. Só não me lembro exatamente o que era.
Marcio J. de Lima
(12/08/2009).