Frangos & Galos
Na Chácara:
Charles: - Quer conhecer o galinheiro?
Lia: - Queeero!
Charles: - Então tá! É ali em cima, naquele barracão.
Lia: - Ai!
Charles: - Que foi?
Lia: - Um bicho caminhou na minha perna.
Charles: - Que bicho?
Lia: - Sei lá, não entendo de bicho!
Charles: - E como você sabe que era um bicho se não entende o que é um bicho?
Lia: - Só sei que caminhou. Porque você não me falou que aqui no sítio tinha mato? Se eu soubesse tinha vindo de calça comprida igual a você.
Charles: - Se é sítio, tem mato, se tem mato, tem bicho, achei que você já soubesse.
Lia: - É, faz sentido! Mas da próxima vez você me “alembra”.
Charles: - Tá bom!
No Galinheiro:
Lia: - É isso que é galinheiro?
Charles: - É!
Lia: - Porque é aí que ficam as galinhas?
Charles: - É!
Lia: - E se tiver só galo, continua sendo galinheiro?
Charles: - Por acaso você tá achando que o nome deveria ser “galoeiro”?
Lia: - Nunca pensei nisso, mas é que eu nunca vi um galinheiro, assim, profissional, sabe? Com galinhas dentro...
Charles: (com peninha) - Sei...
Lia: - Porque elas ficam nessas caixas?
Charles: - Pra botarem ovos. São galinhas poedeiras.
Lia: - Pô o quê?
Charles: - Poedeiras. Que botam. Tão aí só pra botarem. Comem, bebem e botam. Só isso.
Lia: A vida toda? Presinhas? Nessas gaiolinhas? Tadinhas!
Charles: - Pois é. C’est’ la vie!
Lia: - E aquelas galinhas ali, porque estão separadas?
Charles: - Aquelas não são galinhas, são galos.
Lia: - E quando é que se ajuntam?
Charles: - O quê?
Lia: - Os galos.
Charles: - Tão juntos!
Lia: - Tão juntos, mas separados.
Charles: - De quem?
Lia: - Das galinhas, ora!
Charles: - Nunca!
Lia: - Nunca o quê?
Charles: - Nunca se ajuntam com as galinhas. Ficam separados. Tão ali de bobeira porque quando eram pintos não se sabia ainda o que era macho ou fêmea, sabe, galo ou galinha, só se sabe quando fica grande assim...
Lia: - Dããã! Alôôô! Se eles nunca se ajuntam, como é que as galinhas vão botar? Até eu que sou da capital sei disso.
Charles: (com mais peninha ainda) – Você só pode estar brincando com a minha pessoa!
Lia: (cheia da razão) – Se o galo não ajunta com a galinha como é que ela vai botar? Tem que cruzar né?
Charles: (pisando em ovos pra não magoar) – Não é bem assim, a galinha bota independentemente de o galo botar nela. Se o galo bota nela, ela bota, mas daí quem bota o pinto pra fora é o ovo. Se o galo não bota, ela bota, mas o pinto não brota! Entendeu?
Lia: - Sééério? Tá aí uma coisa que eu não sabia. Pensava que a galinha só botava se cruzasse com o galo. Você tá falando sério?
Charles: - Tô! Vamos pegar os frangos agora pra gente levar pra casa.
Lia: - Frangos? Que frangos? Você não falou que eram galos?
Charles: - Frangos, galos, apenas me refiro aos machos. O resto são galinhas. Galinhas a gente não vai pegar, pois são poedeiras.
Lia: - Peraí que embaralhou tudo agora. Quer dizer que esses aí no canto são frangos e galos ao mesmo tempo? Não tem diferença? São frangos ou são galos?
Charles: - Alguns já são galos, mas outros são frangos...
Lia: - E se a gente pegar errado, tipo assim, galo, no lugar de frango, não vai ter problema?
Charles: - Na panela é tudo igual, inclusive o galo pode virar “galinha caipira”.
Lia: - Sei... mas tem diferença de galo pra frango?
Charles: - Tem!
Lia: - Qual?
Charles: - Galo é um frango mais velho, adulto, que já dá no couro. Mas como todos são galos novos, são frangos. A gente chama de “frangão”. Mas como são frangos que tão mais pra galo do que pra pinto, podem ser considerados galos na dependência da necessidade. Se é pra reprodutor, é galo; se é pra panela, é frango... Entendeu?
Lia: - Entendi. Quer dizer, mais ou menos... Olho pra carinha deles e pra mim é tudo igual.
Charles: - Igual é sovaco e axila. Podemos pegar os frangos agora?
Lia: - E eles bicam?
Charles: Segura pelas pernas.
Lia: Ah, tá!
Em Casa:
Lia: - Você que vai matar?
Charles: - É!
Lia: - Covarde!
Charles: - Eu? Porquê?
Lia: - Ói seu tamanho pro deles!
Charles: - Você não come frango?
Lia: - De supermercado.
Charles: - E esse frango vem de onde?
Lia: - Não é do freezer?
Charles: - Não! Alguém teve que matar ele pra você comer.
Lia: - Mas pelo menos eu não conheci o bicho, não vi os olhinhos deles... Aiiii, aquele dali tá olhando prá mim.
Charles: - Você me ajuda a depenar?
Lia: - Depende: - o quê que é “depenar”?
Charles: (com pena) - Tirar as penas.
Lia: - Credo! E você não tem pena deles?
Charles: - Ainda não, mas daqui a pouco vou ter um montão assim de penas deles.
Lia: - Covarde!
Charles: (cortando o pescoço do primeiro) – Viu? É fácil!
Lia: - Tadinho! Ele nem grita!
Charles: - Tô apertando o bico dele!
Lia: - Rs. (depois náuseas) – Acho que vou vomitar.
Charles: (enfiando o frango na água quente) – Agora é só fazer assim.
Lia: - Prá quê isso?
Charles: - Prá facilitar a retirada das penas.
Lia: - Ah, bom!
Charles: (entregando um frango pra Lia) – Tira as penas desse daí que vou preparar outro pra eu tirar...
Lia: (mistura de nojo e dó e com a pontinha dos dedinhos polegar e indicador da mão direita puxando uma peninha) – Ai que dó! Não consigo fazer isso com ele olhando pra mim! (e tapa os olhinhos do bicho colocando o polegar e o indicador da mão esquerda, gritando “ai” a cada peninha arrancada).
Charles: - Rs.
Lia: - Peraí! Isso é tortura! Você tem coragem de matar um frango com os outros todos olhando os amigos morrerem? Eles conversam um com o outro, sabia?
Charles: - Rs.
Lia: - Porque você tá queimando eles?
Charles: - Pra sapecar as penugens que restaram!
Lia: - Ah, isso eu dou conta de fazer.
Charles: - Então, você fica encarregada de sapecar eles.
Lia: - Tá! Mas passa fogo no corpo todo?
Charles: - É! No corpo todo.
Lia: - Ok!
Charles: (alguns instantes depois, vendo a Lia voltar com o primeiro frango) – Já sapecou?
Lia: - Já! Mas tá difícil tirar as casquinhas dos pés.
Charles: Xô ver!
Lia: - Tá vendo como não sai?
Charles: - É porque você não sapecou direito. Tem que deixar mais tempo no fogo.
Lia: - Eu até pensei nisso. Só que me deu uma dó e um medo do bichinho gritar na minha mão... Vai que ele ainda tá vivo...
Charles: Depois de degolado, escaldado e depenado? Vivo? Rs.
Lia: - É, acho que você tem razão. Mas que dá uma dó ver o pezinho dele no fogo, isso dá. É de cortar o coração.
Charles: Rs.
Algum Tempo Depois:
(Frangos mortos, depenados e sapecados)
Charles: (esfregando os frangos e lavando com água fria) – Agora tem que lavar um por um...
Lia: - Você tá doido? Lavar o frango depois de enfiar eles na água quente que já matou todos os micróbios, depois de depenar eles e de ainda sapecar no fogo? Exagerado!
Charles: (paciencioso) – Eles têm muita sujeira, vivem na terra, têm piolhos... A água quente serve pra matar os micróbios e pra facilitar a retirada das penas, mas o que lava mesmo é água, sabão e esfregão... Não viu como a água da caldeira ficou imunda?
Lia: - É mesmo! Mas que trabalhão, não é mesmo?
Charles: - É!
Lia: - É por isso que prefiro comprar no supermercado!
Charles: - Mas lá você paga também pela água congelada!
Lia: - É mesmo! E por falar nisso, você sabia que pra produzir um tomate se gasta trinta litros de água?
Charles: (percebendo a mudança de assunto) – Não!
Lia: Pois é! Procê vê!
Lia de novo: (de noite já) – Ai que bom! Os frangos já tão mortos, depenados, sapecados, lavados, agora é só você por pra congelar enquanto eu vou preparar minha janta que eu tô morrendo de fome.
Charles: (incrédulo) – o Quê?
Lia: - O quê o quê?
Charles: Você acha mesmo que já tá tudo pronto?
Lia: - E num tá?
Charles: (dando a oportunidade de a ficha dela cair, mas, sem esperar muito sucesso nesse sentido) – Claro que não!
Lia: Deixa de fazer hora com a minha cara, os frangos já estão mais do que limpos e agora é só congelar... Pensa que eu não sei?
Charles: - Você quer dizer... congelar com os bicos, as unhas, o papo e as tripas?
Lia: (chocada) – O quê? O bicho tem tripas? E tem que tirar? Tirar de dentro deles tudo isso? Acho que vou vomitar...
Charles: - Rs. Você não sabia que o bicho tinha tripas?
Lia: - O que eu compro no supermercado nunca vem com tripas...
Charles: - Rs. Esse aqui vem. Rs. E com cocô dentro das tripas. Rs.
Lia: - Eca!
Charles: Você achou mesmo que tinha acabado?
Lia: - Achei! Mas agora que você falou foi que eu lembrei que o bicho tem tripas... Não quero nem ver como você faz pra tirar elas daí de dentro.
Charles: - É simples: Abre, enfia a mão e vai puxando pra fora...
Lia: - Eeeeeeeecaaaa!